segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Torcedora-símbolo


Vinte e um anos, morena e esbelta. Nini chama a atenção por onde passa. Só que outra característica a fez conhecida na cidadezinha onde mora: é torcedora fanática do Fluminense. Do tipo que acompanha o time pela TV nos botequins e trava batalha verbal com marmanjos que se arriscam a enfrentá-la em debate esportivo. É moça de temperamento forte quando o assunto gira em torno de futebol. Um contraste para quem tem jeito de adolescente brejeira vestida com trajes de menina de grande centro.

O que para tantas jovens mulheres parece fácil - ainda mais para quem tem atributos físicos como ela - se torna um pesadelo digno de divã: não consegue firmar namoro. Até tenta. No sábado à noite bate ponto no clube onde tem banda tocando ao vivo. Escondido dos pais, um casal evangélico tradicional, bebe cerveja embora diga sempre que prefere vinho. Requebra a qualquer som. Vai de rock´n´roll a forró com uma facilidade e um molejo de fazer inveja a dançarina profissional.

Numa dessas noitadas conheceu Carlinhos. Garoto humilde, boa praça e boa pinta. Um olhar atravessado aqui, outro mais profundo acolá... Ele se aproximou e puxou conversa. Coisa boba, como perguntar as horas ou querer saber se estava sozinha. Alguns minutos de bate-papo, um toque no cabelo liso e muito preto dela (parece até uma índia) e já estavam se beijando ardentemente. Ficaram, na linguagem da moçada. Faceiros e salientes, os dois foram cada um para sua casa renovados.

O relacionamento começou a tomar forma. Depois de alguns dias e uma transa ardente no quarto de Carlinhos, veio a decepção: o sujeito é flamenguista. Foram por água abaixo as carícias em fração de segundos. A descoberta aconteceu por acaso: perto do guarda-roupa o namorado tinha uma caixa com livro e outras bugigangas em vermelho-e-preto. Incompatível. Irascível. Sem pestanejar e tampouco se importando com os sentimentos alheios, Nini foi embora. Nem virou o pescoço.

Para falar a verdade, o sonho de consumo sexual da torcedora era um jogador. Da parede rente a cama não sai o pôster do ídolo comemorando o gol de um título Estadual. Para reclamação da mãe, que gostaria de ver na cabeceira da filha a Bíblia Sagrada. Ao contrário do restante da família, até freqüentou, por imposição, a igreja. Quando tomou as rédas da própria vida, abandonou os estudos religiosos e passou a se dedicar, de corpo e alma, aos prazeres da juventude. Sem esquecer os princípios familiares.

Estudante de Pedagogia, sonha lecionar para alfabetizar adultos. É uma espécie de contraponto ao fato de o avô ter conseguido superar a falta de leitura e construído um pequeno patrimônio, herdado pelas gerações subseqüentes. Só não presta muita atenção nas aulas às quartas-feiras. Sim, geralmente tem jogo do tricolor. Leva um walk-man para a faculdade. Daqueles com ponto pequeno, que se encaixa dentro da orelha. Na impossibilidade de gritar com gols, cerra os punhos. É mais ou menos assim seu cotidiano.

Depois que termina de contar a história da caçula, a mãe enxuga, com o dedo indicador da mão direita, uma lágrima solta. Choro de felicidade e orgulho. Em um leito de hospital, perto do pai, havia acabado de relatar para a família do paciente da maca ao lado praticamente todos os traços da personalidade da filha. Ainda estava preocupada porque no município vizinho teria uma festa agropecuária. E, por telefone, Nini já tinha dito que queria ir. Provavelmente para conhecer outro rapaz e esquecer suas loucas fantasias eróticas.