quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Pouco depois do nada

Olha
Sua sensatez,
Minha lucidez.
Relógio do espaço,
Em certeiro compasso.

Olha
A gente vê infinito,
E sorri do momento.
Mar e vento passam,
Mãos disfarçam.

Olha
Brilham universos paralelos,
Com rochedos e elos.
Sombra, refresco e ar,
Pouco depois do nada, o olhar.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Cry

Se você rir, chorar,
Andar, tropeçar,
Brigar ou desarmar,
Não precisa me contar.

Se escolher viver,
Querer, ter e ater,
Correr ou esmorecer,
Não precisa me perceber.

Se você subtrai,
Cai, distrai,
atrai ou sai,
Não precisa. Vai.

Folha seca

Sentimentos ou armamentos,
Já não temos.
Faz tempo, não faz sentido.
A boa manhã seguinte aos pileques,
A bola de meia dos moleques.

Vestimentas e contas,
Já não temos.
Faz tempo, não é tão nítido.
A saga das procuras, as juras;
Perdemos tempo e não fizemos.

Travessos e travesseiros,
Já não somos.
Ocupamos espaço, atamos laço.
Corroemos castelos e elos.
E nós, a sós.

Beleza e esperteza,
Já não somos.
Ficamos pequenos pedaços descalços.
Importante é caminhar e pensar.
E peço silêncio, apenas silêncio.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Apanhador nacional

Em pleno domingo aparece na televisão:
Carnificina de torcida no Brasileirão.
Entre choros e lamentos,
Não perco meu tempo.
Só penso no cara estendido no chão,
Apanhando mais do que ladrão.
Libertadores ou Série B,
Importa mesmo pra você?

De que lado você vai ficar?
De quem bate até matar,
Ou de quem não aguenta apanhar?

Segurança particular ou polícia militar,
É a pergunta que não quer calar.
Aí eu te pergunto: e as crianças?
Pintaram o estádio com a cor da vingança.
Logo surgiram os discursos e blá, blá, blá;
Pouca sensibilidade pra agir, muita boca pra falar.
E a gente aqui sem poder fazer nada,
Tomando coça nacional em tarde ensolarada.

De que lado você vai ficar?
De quem bate até matar,
Ou de quem não aguenta apanhar?

Essa merda toda é o retrato do país,
É o que acontece, não é o que a gente quis.
Vai ficar na sua zona de conforto?
Ou vai pra rua mostrar o rosto?
Tem muita coisa errada, não dá pra enumerar.
Só responde uma coisa: é assim que vai ficar?
Ano que vem tem eleição, é só um lembrete.
Pense muito bem, seu voto é o porrete.

De que lado você vai ficar?
De quem bate até matar,
Ou de quem não aguenta apanhar?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Símbolo do desejo

Levantou-se e foi ao toalete. Deixou o copo de cerveja pela metade. Na volta, surpreendeu o companheiro: com a mão direita sobre o ombro dele, apoiou o corpo. Inclinou-se e, com a esquerda, pôs algo no bolso da calça do rapaz. Sorriu, permeando o mistério. Pegou um Lucky Strike da embalagem bege e azul. Duas, três tragadas. Só fumava quando o grau etílico ultrapassava o limite do tolerável.

Preferiu ficar no bar, mesmo após a conta paga. Puxou a cadeira em outra mesa após despedir-se com beijinhos no rosto. Já em casa, pouco mais de três horas depois, recebeu uma mensagem: “Sua calcinha é linda”. Riu, lembrando da pequena peça azul, rendada e ligeiramente desconfortável – embora extremamente sexy. Não pediu de volta, não sugeriu nada. Apenas imaginou, em silêncio, vesti-la de novo pelas mãos alheias.

No dia seguinte experimentou a ousadia de propor um encontro íntimo, a dois. Tinha de ser especial, com direito a prévias. Compromissos familiares atrapalharam. Ficou a insinuação e o forte tesão de ambas as partes. Já trocaram muitos beijos e até carícias ardentes. Faltava a transa. Os dois pensaram e repensaram muitas vezes como seria. O objeto quase fálico permaneceu, intacto, na mochila dele.

Foi para cima e para baixo, em meio a intimidade de documentos, blocos de anotação, carregador de bateria de celular e uma garrafinha térmica de meio litro. Viajou algumas vezes, visto que uma das tarefas profissionais é exercida em outra cidade. Apesar de tudo, ninguém, além do “presenteado”, viu aquela insinuante, úmida e provocativa lingerie. Trocaram telefonemas, talks e bate-papos pelo Facebook nos dias seguintes.

Sempre uma conversa envolta pelo desejo mútuo, agora já representado materialmente falando. Numa ensolarada manhã de terça-feira, uma proposta surge despretensiosa: ver um filme de humor, já que achavam tanta graça da vida e tinham o que se pode chamar de “riso frouxo”. Na programação, talvez um choppinho e, finalmente, o aguardado momento da devolução. Assim o fizeram no sábado.

Se esbaldaram no cinema, beberam o suficiente para relaxar na praça de alimentação do mesmo shopping onde fica a sala de projeção, e rumaram para um motel próximo. Escolheram a simplicidade como cúmplice. Abriram o quarto, passaram pela salinha de jantar e se trancafiaram na suíte. Ele, calcinha no bolso da bermuda, espera pela companhia, que pediu para ir ao banheiro antes de começarem o que, provavelmente, não tinha hora para acabar.

Percebe o toque do celular deixado sobre o frigobar. Obedece, quando ouve: “pode atender para mim, por favor? Deve até ser engano, meu número é novo”.

Aperta o botão verde.
- Alô, é o Gustavo?

À indagação do outro lado da linha, responde:
- Não, não. Espera aí.

Tampa o telefone e grita:
- Amor, é para você mesmo.