segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Frio na barriga

Levanta o dedo e chama o garçom. Pede uma picanha ao alho bem passada na chapa. Comenta com o colega de time, sentado bem à sua frente, o gosto por carnes. É interrompido silenciosamente pelo franzido da testa do companheiro de almoço. Vira-se para trás. Vê uma loura de corpo escultural, cabelos lisos pouco abaixo do ombro, entrando na ala reservada do restaurante. Está com um homem baixo, barrigudo, vestido discretamente. Ela percebe sua excitação instantânea e não corresponde. Abaixa a cabeça e dobra à esquerda.

- Acho que é garota-de-programa. Só pode. Não ia estar com um sujeito desse - analisa o amigo.

Mudam de assunto e esquecem a tal criatura. Passam a falar da dificuldade em jogar fora de casa. A equipe deles disputa a Liga Nacional de Basquete Masculino Adulto. Ocupa uma posição mediana na tabela. Está até perto da classificação para os play-offs das quartas-de-final. O problema é vencer em quadras adversárias. No próprio domínio, ao contrário, o retrospecto e a torcida ajudam. Tinham pontos em comum dentro e fora de quadra. O armador é casado com uma prima do ala, a quem conheceu por intermédio dele próprio quando atuavam no interior de São Paulo.

Conta paga, hora de ir embora. Quando dá dois passos, lá está a mulher que entrou com um vestido branco capaz de tirá-lo do sério. Trocam um olhar profundo, cúmplice. O fiel escudeiro reage. Cutuca-o com o dedo indicador da mão direita num misto de inveja e elogio. Andam até o estacionamento, que fica na rua transversal. A imagem daquele rosto sapeca não lhe sai da cabeça. Dá uma carona ao parceiro. Quinze minutos depois está sozinho, dirigindo calmamente pela cidade. Não é dia de treino.

- Ir para casa agora talvez não seja uma boa idéia - pensa, enquanto repara o celular no console do carro.

Pára em uma das poucas bancas ainda com jornal às três da tarde. Lê, de novo, os comentários sobre sua atuação na noite anterior. Sorri. Havia sido o cestinha da partida, com 28 pontos. E logo ele, que joga, na maior parte do tempo, longe do garrafão. Só que a pontaria quase infalível da zona de três garante a boa performance. Tentado, pega a parte de classificados. vai na última página de propósito. O anúncio sob o título "Belas e discretas" acelera seus hormônios. Liga. Exige uma morena jambo, estilo capa de revista, e que saiba conversar.

Estaciona em uma rua movimentada, no Centro. Encosta na porta da BMW 325i que comprou no final do ano passado com a premiação pelo título brasileiro em seu clube anterior. Balança a cabeça com sinal de positivo, entra, abre a outra porta e parte rumo ao motel. Fala pouco, mas ouve que a prostituta não se considera como tal. Educada, está na região há pouco mais de u m mês para fazer faculdade particular. Tem um sotaque mineiro atraente. Só o decepciona porque impõe muitas condições ao sexo. Acabam tendo uma relação fria, que só serve para relaxar alguns músculos do atleta.

Chega ao apartamento alugado pela prefeitura local, que arca com as despesas do elenco, por volta das sete da noite. Toma uma ducha. Assiste ao video-tape de uma luta de boxe (o segundo esporte de sua preferência) e ao Jornal Nacional. Sai às dez horas para encontrar a esposa, aluna de Enfermagem em uma universidade para a qual conseguiu transferência recentemente. Na porta da unidade de ensino, praticamente repete a cena do meio da tarde. Gosta de ficar do lado de fora do automóvel, observando o movimento enquanto aguarda alguém.

Tocam em seu ombro.

- Amor, queria te apresentar minha amiga. A gente conversa bastante e hoje, no intervalo, lanchamos juntas. Descobrimos muitas coisas em comum...

Não consegue ouvir mais nada. Pálido, imagina que aquela transa inconseqüente de R$ 100 com uma "universitária do prazer" pode custar seu casamento.