quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Tudo se vai

Lá se vão litros, vidros,
Agradecimentos e desprezo.
Também, junto, eu e nós;
Pretos, brancos, à vista e à prazo.

Tem gelo quente, chama fria;
Palmas e ritmos quebrados.
Detalhes sutis que ninguém desafia:
Risos, vestimentas e rebolados.

Sabor, prosas, passos, dinheiro;
Mesas, cadeiras e gente descartável.
Futebol, música, mundo inteiro;
Salário, gorjeta e migalha potável.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Sem pão, sem açúcar

Eu que trabalhei, suei, me entreguei e sangrei;
Dinheiro no bolso não tem mais, eu já sei.
Tô na fila só de ida, mas pra onde é que eu irei?
Falta comida, remédio e chão; o que sobra é a lei do cão.

Não quero ficar nesse estado,
Maltratado e paralisado.
Consolado por "santo" chique,
E com tanto pop sem ibope.
Não vou deitar no asfalto quente,
No fogo cruzado de tanta gente.

Prisões, confissões, delações e repressões.
Estendo faixa, rasgo cartaz.
Não é só pra mim o mal que me faz.
Genocídio silencioso de velho e de criança.
Faca amolada rasgando o último riso de esperança.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Parque de exposições

Bom dia pra você que tá
Chegando aqui, nesse sol.
Digo: vendo um guaraná,
E não me peça rock'n'roll.

É preta de anos sessenta
Com marido, filho e neto.
Serviço só não sustenta
De pé, avulso internato.

Matuto pobre arrepende
Do teu suor ou trabalho;
Ou joga jogo concorrente
Ou se defende por atalho.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

O consciente abstrato de Leila

Leila leiloou um sorriso,
Leila ecoou um paraíso.
Leila suou pra Renato,
Leila evocou Deus imediato.

E o que eu faço com Leila?
O que eu quiser e ela queira?
Leila, o que canto pra você?
De olhos fechados, você me vê?

Leila morenou sua loirice,
Leila falou o que não disse.
Leila não mudou, me deixou mudo;
Leila emudeceu nosso mundo.

Leila é corda de guitarra.
Leila é prisão sem amarra.
Leila tem um universo seu.
Leila é você, Leila sou eu.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Desfaçatez inquietante

Aponte dedos ao infinito
Quem nunca se viu atônito
Quando açoitado de libido
Teve o intento sucumbido

Num instante impreciso
De abençoado improviso
A intuição cortejou
E a cobiça vicejou

Desfaçatez inquietante
Repetida sutilmente
Sublima agora teoria
Atiçada de euforia

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Ar

Você tem mania de complicar tudo
Dizendo as coisas mais simples.
De estilingue em punho
Dúvidas são até normais.
Foi só chegar o verão azedo
E a chuva não levou nada demais.
Vou rabiscar madeiras,
Desmanchar ciúme pra nunca mais.

Tinha só uma imagem
E vontade de conversar.
Era um desejo
E uma foto para falar.

Burilar as palavras é chato,
Relembrar o futuro é exato.
Tomar um porre de ar é normal,
Dirigir de trás pra frente é igual.
De um dia passa à esperança.
O telefone chiou, o café esfriou,
A cerveja esquentou, a torcida murchou...

E ainda tem lugar aqui.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Comentário a respeito

A madrugada cai seca,
Sem sabor e sem letra.
Tem Belchior e Gilberto
Num futuro bem perto.

Eles tabelam filosofias,
Erguem taças atrevidas.
Dominam a felicidade,
Calam com serenidade.

São dos que decalcam,
Que tingem, que amam.
Luzes que não se findam,
E risos que não apagam.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Prazer alvinegro

Ah, como é bom colecionar amores;
Mulher, filhos, pais, dias e cores.
Reprisar a vida e escoar as dores;
Na rispidez implícita, colher flores.

Lógico, faz bem comer e embebedar;
Gargalhar alto do mais forte, expurgar.
Tirar nosso boné, dar gorjeta e beijar;
Não se guiar com o farol, desacelerar.

Um dia bem no gelo, outro mal no fogo;
Decalcar o vaivém, prorrogar esse jogo.
Erguer punhos eretos feito um catálogo;
Gozar muito com dois gols do Botafogo.

sexta-feira, 24 de março de 2017

Na ponta dos pés

Hoje vi professora bailarina
Vibrar em comunidade pobre.
Esperança no olhar de menina,
Poesia na simplicidade nobre.

A poeira poliu ouro; o calor, gelo.
Sutilezas firmes, sonhos eretos.
Contemplação tamanha virou elo,
E derrota de conceitos concretos.

É para ficar, sim, na ponta dos pés.
Aí vem o verde-amarelo animar,
Exorcizar alcaides e seus quartéis.
Ópio do povo é o gol de Neymar.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Atentado

Empurram esse negócio de modernização,
Batem a carteira e votam com a mesma mão.
Na roça ou na cidade, agora tanto faz;
O dono da caneta lucra cada vez mais.

Posso ser contratado ou temporário,
Sem rosto, dono de número temerário.
Estou em promoção, me vendo barato;
Sou eu, eu mesmo, quem paga o pato.

Se alguém for arguir, que passe longe;
Repita "sim senhor", obediência de monge.
Não, não tem mais espaço para espernear;
Perder tempo em pensar é não trabalhar.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Lenço de pano

A gente morre e se descobre;
Acorda, corre e desaprende.
O silêncio é rouquidão pobre
De quem não se arrepende.

Vou fazer uma experiência:
Te cantarolar frases avulsas.
Cair de pé não é desistência;
Só depende das escaramuças.

Todo travesseiro guarda histórias;
E no meu suor não tem defeito.
No tabuleiro do tempo há vitórias;
Xeque-mate: você dorme no meu peito.