quinta-feira, 28 de maio de 2020

Sinônimo de amor é amar

Desperdiçar tempo com videogame não foi cogitado.

A companhia da caixinha amadeirada, recheada de lembranças, é que congelou o relógio de pai e filho.

Havia muita história entre fotografias, anotações e outros guardados.

O guri tomou as rédeas da profissão do progenitor e passou a entrevistá-lo.

Com o gabarito de quem rasgou o céu de ponta a ponta, ou de Pernambuco ao Porto, com direito a longas escalas em Campos e no Rio de Janeiro, Marlúcio apenas sorriu ao intuir como seria aquele fim de tarde em quarentena nas terras lusitanas.

Vicente ajeitou o cabelo, posicionou os óculos e estreou como repórter indagando sobre um desbotado ingresso de jogo de futebol.

- Era agosto de 1975. Fui ver meu Santos num antigo estádio, já demolido, contra o Americano. De um lado, craques como Clodoaldo, Cláudio Adão e Edu. Do outro, um time que pela primeira vez jogava o Campeonato Brasileiro. No último minuto a equipe do interior marcou e venceu.

Pareceu relato de uma divina comédia humana.

O menino visualizou a angústia do goleiro santista na hora do gol derradeiro.

Foi ao delírio com a experiência em coisas reais.

- Viver é melhor que sonhar? -, sussurrou. 

- Qualquer sofrimento passa, mas o ter sofrido não -, respondeu o veterano, como se bigode de Belchior tivesse.

Todo sujo de um batom imaginário, não disse que a vitória foi perdida.

- É de batalhas que se vive a vida!

Ao levantar os olhos, avistou o rasante de uma patativa alvinegra pelo quarto.

Um pequeno envelope preso ao bico foi deixado sobre a cama.

A mensagem estava escrita a lápis.

"Deixe tudo ser chão de Giz. Que o grão vizir atravesse o túnel do tempo movido a baioque e flerte com a democracia em Copacabana. Help! É lá onde está nossa lida juventude".

Assinado: Zé Gílson.

terça-feira, 26 de maio de 2020

O diálogo dos talheres

Pequenas tragédias antes das oito
E aquela mania de tentar ser feliz
Na tinta iludida e versátil infinito
Um roteiro escasso do que não fiz

Descarto garfo e faca, prefiro colher
Insensível ao desejo que te assanhe
No tempo vácuo de mar sem maré
Não vi areia ou sorvi champanhe

É só o calor que sussurra na gente
Como um vendedor de versos rubros
Esse impulso de seguir diligente
E sem espinhos dourados nos ombros

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Tropical

Chuvarada
Prestimosa
Madrugada
Melodiosa

Carniceiros
Aflitos
Feiticeiros
Confeitos

Linguagem
Incide
Voltagem
Decide

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Meu nome não é Erasmo

A ideia de fazer a "Noite do Vinil" no Teatro de Bolso partiu de Wellington Cordeiro, ganhou adesão de Romualdo Braga e convenceu Márcio de Aquino.

A empreitada tinha conceito estruturado: a plateia deveria ficar acomodada nos assentos sem qualquer remelexo, de modo a degustar cada nota musical espetada pela agulha do toca-discos.

A playlist enfileirou pertencimentos campistas como a ginga de Eli Miranda, a efervescência dos Avyadores do Brazyl e a violeta bossa trip de Giu de Souza.

Último dinossauro na floresta, coube a Márcio fechar as cortinas do intimista espetáculo de culto à arte local.

Já sem público e com os parceiros de aventura a léguas, se preparava para deixar o oraviano espaço após armazenar seu tesouro afetivo na garupa da bicicleta quando ouviu de Alex: "nós três vamos ter que dormir aqui, ninguém mais pode sair de onde está por causa do vírus".

Atônito, não compreendeu de imediato a referência do bilheteiro também à Layla, economista formada pela Cândido Mendes que, desempregada, vendia doces caseiros no hall. 

Brigadeiros aplacaram a fome do trio.

A moça, um ano mais velha que Alex e crush dele, percebeu que Márcio guardava semelhança com...

- Me chamam de Erasmo, principalmente um conhecido meu metido a poeta.

Revelando-se ex-aluno do Liceu e torcedor fanático do Campos, Alex quis saber um pouco mais sobre o balzaquiano que acabava de impressionar.

- Sou apenas um investigador dos deslizes humanos, surrupiador de pequenos enganos e que conjectura em Tarati Taraguá.

Mal termina a pequena autobiografia, Márcio recebe um zap.

Era Moraes Moreira, pedindo para ele revisar um cordel sobre tentativa de volta da ditadura militar e fake news em tempos de pandemia.

O título sugeria rebeldia e resistência: "Chicletes e prazer".