Desperdiçar tempo com videogame não foi cogitado.
A companhia da caixinha amadeirada, recheada de lembranças, é que congelou o relógio de pai e filho.
Havia muita história entre fotografias, anotações e outros guardados.
O guri tomou as rédeas da profissão do progenitor e passou a entrevistá-lo.
Com o gabarito de quem rasgou o céu de ponta a ponta, ou de Pernambuco ao Porto, com direito a longas escalas em Campos e no Rio de Janeiro, Marlúcio apenas sorriu ao intuir como seria aquele fim de tarde em quarentena nas terras lusitanas.
Vicente ajeitou o cabelo, posicionou os óculos e estreou como repórter indagando sobre um desbotado ingresso de jogo de futebol.
- Era agosto de 1975. Fui ver meu Santos num antigo estádio, já demolido, contra o Americano. De um lado, craques como Clodoaldo, Cláudio Adão e Edu. Do outro, um time que pela primeira vez jogava o Campeonato Brasileiro. No último minuto a equipe do interior marcou e venceu.
Pareceu relato de uma divina comédia humana.
O menino visualizou a angústia do goleiro santista na hora do gol derradeiro.
Foi ao delírio com a experiência em coisas reais.
- Viver é melhor que sonhar? -, sussurrou.
- Qualquer sofrimento passa, mas o ter sofrido não -, respondeu o veterano, como se bigode de Belchior tivesse.
Todo sujo de um batom imaginário, não disse que a vitória foi perdida.
- É de batalhas que se vive a vida!
Ao levantar os olhos, avistou o rasante de uma patativa alvinegra pelo quarto.
Um pequeno envelope preso ao bico foi deixado sobre a cama.
A mensagem estava escrita a lápis.
"Deixe tudo ser chão de Giz. Que o grão vizir atravesse o túnel do tempo movido a baioque e flerte com a democracia em Copacabana. Help! É lá onde está nossa lida juventude".
Assinado: Zé Gílson.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
terça-feira, 26 de maio de 2020
O diálogo dos talheres
Pequenas tragédias antes das oito
E aquela mania de tentar ser feliz
Na tinta iludida e versátil infinito
Um roteiro escasso do que não fiz
Descarto garfo e faca, prefiro colher
Insensível ao desejo que te assanhe
No tempo vácuo de mar sem maré
Não vi areia ou sorvi champanhe
É só o calor que sussurra na gente
Como um vendedor de versos rubros
Esse impulso de seguir diligente
E sem espinhos dourados nos ombros
E aquela mania de tentar ser feliz
Na tinta iludida e versátil infinito
Um roteiro escasso do que não fiz
Descarto garfo e faca, prefiro colher
Insensível ao desejo que te assanhe
No tempo vácuo de mar sem maré
Não vi areia ou sorvi champanhe
É só o calor que sussurra na gente
Como um vendedor de versos rubros
Esse impulso de seguir diligente
E sem espinhos dourados nos ombros
quarta-feira, 13 de maio de 2020
Tropical
Chuvarada
Prestimosa
Madrugada
Melodiosa
Carniceiros
Aflitos
Feiticeiros
Confeitos
Linguagem
Incide
Voltagem
Decide
Prestimosa
Madrugada
Melodiosa
Carniceiros
Aflitos
Feiticeiros
Confeitos
Linguagem
Incide
Voltagem
Decide
segunda-feira, 11 de maio de 2020
Meu nome não é Erasmo
A ideia de fazer a "Noite do Vinil" no Teatro de Bolso partiu de Wellington Cordeiro, ganhou adesão de Romualdo Braga e convenceu Márcio de Aquino.
A empreitada tinha conceito estruturado: a plateia deveria ficar acomodada nos assentos sem qualquer remelexo, de modo a degustar cada nota musical espetada pela agulha do toca-discos.
A playlist enfileirou pertencimentos campistas como a ginga de Eli Miranda, a efervescência dos Avyadores do Brazyl e a violeta bossa trip de Giu de Souza.
Último dinossauro na floresta, coube a Márcio fechar as cortinas do intimista espetáculo de culto à arte local.
Já sem público e com os parceiros de aventura a léguas, se preparava para deixar o oraviano espaço após armazenar seu tesouro afetivo na garupa da bicicleta quando ouviu de Alex: "nós três vamos ter que dormir aqui, ninguém mais pode sair de onde está por causa do vírus".
Atônito, não compreendeu de imediato a referência do bilheteiro também à Layla, economista formada pela Cândido Mendes que, desempregada, vendia doces caseiros no hall.
Brigadeiros aplacaram a fome do trio.
A moça, um ano mais velha que Alex e crush dele, percebeu que Márcio guardava semelhança com...
- Me chamam de Erasmo, principalmente um conhecido meu metido a poeta.
Revelando-se ex-aluno do Liceu e torcedor fanático do Campos, Alex quis saber um pouco mais sobre o balzaquiano que acabava de impressionar.
- Sou apenas um investigador dos deslizes humanos, surrupiador de pequenos enganos e que conjectura em Tarati Taraguá.
Mal termina a pequena autobiografia, Márcio recebe um zap.
Era Moraes Moreira, pedindo para ele revisar um cordel sobre tentativa de volta da ditadura militar e fake news em tempos de pandemia.
O título sugeria rebeldia e resistência: "Chicletes e prazer".
A empreitada tinha conceito estruturado: a plateia deveria ficar acomodada nos assentos sem qualquer remelexo, de modo a degustar cada nota musical espetada pela agulha do toca-discos.
A playlist enfileirou pertencimentos campistas como a ginga de Eli Miranda, a efervescência dos Avyadores do Brazyl e a violeta bossa trip de Giu de Souza.
Último dinossauro na floresta, coube a Márcio fechar as cortinas do intimista espetáculo de culto à arte local.
Já sem público e com os parceiros de aventura a léguas, se preparava para deixar o oraviano espaço após armazenar seu tesouro afetivo na garupa da bicicleta quando ouviu de Alex: "nós três vamos ter que dormir aqui, ninguém mais pode sair de onde está por causa do vírus".
Atônito, não compreendeu de imediato a referência do bilheteiro também à Layla, economista formada pela Cândido Mendes que, desempregada, vendia doces caseiros no hall.
Brigadeiros aplacaram a fome do trio.
A moça, um ano mais velha que Alex e crush dele, percebeu que Márcio guardava semelhança com...
- Me chamam de Erasmo, principalmente um conhecido meu metido a poeta.
Revelando-se ex-aluno do Liceu e torcedor fanático do Campos, Alex quis saber um pouco mais sobre o balzaquiano que acabava de impressionar.
- Sou apenas um investigador dos deslizes humanos, surrupiador de pequenos enganos e que conjectura em Tarati Taraguá.
Mal termina a pequena autobiografia, Márcio recebe um zap.
Era Moraes Moreira, pedindo para ele revisar um cordel sobre tentativa de volta da ditadura militar e fake news em tempos de pandemia.
O título sugeria rebeldia e resistência: "Chicletes e prazer".
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