quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Pouco depois do nada

Olha
Sua sensatez,
Minha lucidez.
Relógio do espaço,
Em certeiro compasso.

Olha
A gente vê infinito,
E sorri do momento.
Mar e vento passam,
Mãos disfarçam.

Olha
Brilham universos paralelos,
Com rochedos e elos.
Sombra, refresco e ar,
Pouco depois do nada, o olhar.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Cry

Se você rir, chorar,
Andar, tropeçar,
Brigar ou desarmar,
Não precisa me contar.

Se escolher viver,
Querer, ter e ater,
Correr ou esmorecer,
Não precisa me perceber.

Se você subtrai,
Cai, distrai,
atrai ou sai,
Não precisa. Vai.

Folha seca

Sentimentos ou armamentos,
Já não temos.
Faz tempo, não faz sentido.
A boa manhã seguinte aos pileques,
A bola de meia dos moleques.

Vestimentas e contas,
Já não temos.
Faz tempo, não é tão nítido.
A saga das procuras, as juras;
Perdemos tempo e não fizemos.

Travessos e travesseiros,
Já não somos.
Ocupamos espaço, atamos laço.
Corroemos castelos e elos.
E nós, a sós.

Beleza e esperteza,
Já não somos.
Ficamos pequenos pedaços descalços.
Importante é caminhar e pensar.
E peço silêncio, apenas silêncio.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Apanhador nacional

Em pleno domingo aparece na televisão:
Carnificina de torcida no Brasileirão.
Entre choros e lamentos,
Não perco meu tempo.
Só penso no cara estendido no chão,
Apanhando mais do que ladrão.
Libertadores ou Série B,
Importa mesmo pra você?

De que lado você vai ficar?
De quem bate até matar,
Ou de quem não aguenta apanhar?

Segurança particular ou polícia militar,
É a pergunta que não quer calar.
Aí eu te pergunto: e as crianças?
Pintaram o estádio com a cor da vingança.
Logo surgiram os discursos e blá, blá, blá;
Pouca sensibilidade pra agir, muita boca pra falar.
E a gente aqui sem poder fazer nada,
Tomando coça nacional em tarde ensolarada.

De que lado você vai ficar?
De quem bate até matar,
Ou de quem não aguenta apanhar?

Essa merda toda é o retrato do país,
É o que acontece, não é o que a gente quis.
Vai ficar na sua zona de conforto?
Ou vai pra rua mostrar o rosto?
Tem muita coisa errada, não dá pra enumerar.
Só responde uma coisa: é assim que vai ficar?
Ano que vem tem eleição, é só um lembrete.
Pense muito bem, seu voto é o porrete.

De que lado você vai ficar?
De quem bate até matar,
Ou de quem não aguenta apanhar?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Símbolo do desejo

Levantou-se e foi ao toalete. Deixou o copo de cerveja pela metade. Na volta, surpreendeu o companheiro: com a mão direita sobre o ombro dele, apoiou o corpo. Inclinou-se e, com a esquerda, pôs algo no bolso da calça do rapaz. Sorriu, permeando o mistério. Pegou um Lucky Strike da embalagem bege e azul. Duas, três tragadas. Só fumava quando o grau etílico ultrapassava o limite do tolerável.

Preferiu ficar no bar, mesmo após a conta paga. Puxou a cadeira em outra mesa após despedir-se com beijinhos no rosto. Já em casa, pouco mais de três horas depois, recebeu uma mensagem: “Sua calcinha é linda”. Riu, lembrando da pequena peça azul, rendada e ligeiramente desconfortável – embora extremamente sexy. Não pediu de volta, não sugeriu nada. Apenas imaginou, em silêncio, vesti-la de novo pelas mãos alheias.

No dia seguinte experimentou a ousadia de propor um encontro íntimo, a dois. Tinha de ser especial, com direito a prévias. Compromissos familiares atrapalharam. Ficou a insinuação e o forte tesão de ambas as partes. Já trocaram muitos beijos e até carícias ardentes. Faltava a transa. Os dois pensaram e repensaram muitas vezes como seria. O objeto quase fálico permaneceu, intacto, na mochila dele.

Foi para cima e para baixo, em meio a intimidade de documentos, blocos de anotação, carregador de bateria de celular e uma garrafinha térmica de meio litro. Viajou algumas vezes, visto que uma das tarefas profissionais é exercida em outra cidade. Apesar de tudo, ninguém, além do “presenteado”, viu aquela insinuante, úmida e provocativa lingerie. Trocaram telefonemas, talks e bate-papos pelo Facebook nos dias seguintes.

Sempre uma conversa envolta pelo desejo mútuo, agora já representado materialmente falando. Numa ensolarada manhã de terça-feira, uma proposta surge despretensiosa: ver um filme de humor, já que achavam tanta graça da vida e tinham o que se pode chamar de “riso frouxo”. Na programação, talvez um choppinho e, finalmente, o aguardado momento da devolução. Assim o fizeram no sábado.

Se esbaldaram no cinema, beberam o suficiente para relaxar na praça de alimentação do mesmo shopping onde fica a sala de projeção, e rumaram para um motel próximo. Escolheram a simplicidade como cúmplice. Abriram o quarto, passaram pela salinha de jantar e se trancafiaram na suíte. Ele, calcinha no bolso da bermuda, espera pela companhia, que pediu para ir ao banheiro antes de começarem o que, provavelmente, não tinha hora para acabar.

Percebe o toque do celular deixado sobre o frigobar. Obedece, quando ouve: “pode atender para mim, por favor? Deve até ser engano, meu número é novo”.

Aperta o botão verde.
- Alô, é o Gustavo?

À indagação do outro lado da linha, responde:
- Não, não. Espera aí.

Tampa o telefone e grita:
- Amor, é para você mesmo.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O caminho que segui

Engoli o Gim. Duas doses. De vez. Minha garrafa, roubada do que sobrou de uma noite de esbórnia entre playboys e patricinhas, fica guardada no armário. Fosse cofre, seria meu tesouro. É também através daquele gargalo que sai minha coragem. Pus o uniforme. Como sempre, a camisa estilo social bege, gola vermelha e preta, de botões. Deixo os três primeiros abertos de propósito, a mostrar parte dos volumosos seios. Uso, quase sempre, sutiã branco bordado meia taça. Adoro provocar e contrasta com a pele negríssima. Já é, tenho consciência, minha profissão instintiva, intuitiva e lucrativa.

Apesar do colo, sei que os olhares vão para outro lugar. A calça marrom estilo secretária, justíssima, deixa minha enorme bunda ainda mais em evidência. Nos dias que me sinto mais quente, ainda ponho um saltinho. Arrumo o cabelo cacheado no espelho, abro o sorriso e mergulho de cabeça no fim de tarde. Sirvo primeiro uma família de prumo tradicional. O homem grisalho senta à cabeceira e parece um Sheik. Todos o aclamam. Dá as ordens. Gesticula. Fala alto. Se impõe, deixam de propósito. É grosseiro comigo. Me trata como empregada, sabendo que não sou.

Depois de atender a um jovem casal de pombinhos vou de novo ao banheiro atrás de novo gole. Subo as escadas rapidamente. Sinto um dedo me tocar por entre as pernas. Já preparando o tapa, me surpreendo ao perceber que o autor da provocação foi justamente o coroa imbecil. Ele fala umas merdas, tenta me convencer a transar depois do expediente. Só não quebrei uns dentes do cara por clemência ao emprego. Dedo em riste, me impus. O nariz do branquelo ficou vermelho por fora. E o meu, nervosa que estava, por dentro. Dei duas talagadas, cheirei uma carreira inteira. E voltei como se nada houvesse.

Por volta de onze e meia terminou o expediente. Eu tinha, contados, trinta e seis reais na carteira. Mais os quatorze da passagem, cinquenta. Consegui um bonde até o Centro. Andei uns 800 metros e fui até o restaurante antigo, onde trabalhava no início do ano. Logo na entrada um homem, tipo 40 anos, me abordou. Era cliente contínuo e sentiu minha falta. Primeiro gesto de carinho verdadeiro do dia, mesmo percebendo que ele queria, assim como o babaca anterior, me comer. Esse, por sorte, era educado e sabia tratar uma mulher. Para me desvencilhar, o socorro imediato de uma amiga prestou.

Ela me disse que, ao contrário do que eu imaginava, o almofadinha era gay. Tricô para lá e para cá, escapuli e dei mais um tapa no pó. O celular tocou. Não acreditei ao reconhecer o número de um velho conhecido, que já tinha me ajudado anteriormente. Só disse, ao saber onde eu estava, que usava cavanhaque agora, estaria em um Renault amarelo, e chegaria em 15 minutos. Pontual. Embarquei, cumprimentei-o com dois beijinhos no rosto e partimos. Sem perder tempo, foi direto ao novo Motel da cidade, em uma estrada estadual que vai até o município vizinho.

Confesso que gostei da ousadia. Não foi surpresa. Já tínhamos feito isso antes. Ele me pagava sempre R$ 100. Dessa vez deu R$ 150 por um boquete e uma trepada gostosa, com direito ao cu. Não usou camisinha. E nem eu pedi. Gozou fora, graças a Deus. E ofereceu carona. Ponderei que era longe. Ele argumentou que iria me fazendo carícias. E fez, mesmo. Mãos na coxa, no pescoço… Lambi os dedos dele agradecida e, posso afiançar, honrada. Com as duzentas pratas da féria vou ajudar no tratamento de meu afilhado, Down. Deixei o dinheiro embaixo da garrafa verde de café, na cozinha. Amanhã é outra noite.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O foco no guarda-chuva

 
 
 
 
 
 
 
 
 

No meio do caminho entre os pouco menos de nove passos até o banheiro, a ideia. Eram sete da manhã de hoje, terça-feira, 26 de novembro. Ao ver pelo basculante que a chuva, insistente desde sexta-feira passada, teima em permanecer, pensei na Sony H-09 de pouco uso atual. Chegou o dia de manuseá-la, de novo. E o pretexto é justamente o mau tempo. Utilizá-la como meu olhar, por onde andasse, até a volta à casa, pareceu irresistível e palpável.

Assim surgiu o planejamento de um ensaio sobre a chuva. Que se transformou, aos primeiros cliques, em "Ensaio sobre o guarda-chuva". Estão as fotos que fiz da janela do Sindipetro NF, em Campos; da poltrona do ônibus na ida para Macaé; e da fresta para o calçadão do Centro macaense no meu trabalho lá na Secretaria de Comunicação. É minha trajetória diária. Aí vai o resultado. Bom, médio ou ruim. Ou não. Amigos fotógrafos, sinceras desculpas. Puro impulso. Só.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Curva

Não sei se marginal, vertical ou natural.
Se escrevo, devo ou atrevo.

Não sei se ocidental, abissal ou vegetal.
Se levo, servo ou elevo.

Não sei se vinho, moinho ou caminho.
Se céu, véu ou fel.

Não sei se bagunça, perseverança ou lembrança.
Se meu, seu ou eu.

A letra ainda cabe na palavra

Rio, ria.
Zombeteiro, bombe.
Mudez, ouça.

Ressentimento, esfria.
Chão, zombe.
Censura, desapareça.

Vida, cria.
Desamor, trombe.
Nós, esqueça.

sábado, 23 de novembro de 2013

Desbancou a relação

Gilberto chegou ao banco esbaforido. Um cheque de R$ 2,5 mil não tinha entrado na conta. Faltou identificação do beneficiário. Na maquininha digital, logo após a porta de vidro que separa os caixas eletrônicos do restante da agência, pegou a senha de número 103. Ouviu o chamado da 90 antes de acomodar-se na terceira cadeira da segunda fileira de confortáveis assentos avermelhados. Pensou na hora de voltar ao trabalho o mais rápido possível. O tempo corre rápido.

De repente entra no recinto uma mulata alta, magra, de camiseta preta bordada nas alças e minúsculo short amarelo - desses modernosos, que parecem saia quando vistos de frente. Apreciava através dos estratégicos óculos escuros. O distraiu por alguns instantes. Mesmo o forte ar condicionado não impediu que suasse a testa, reação orgânica característica para refletir a ansiedade. Quando finalmente chegou a vez explicou o caso ao caixa, um simpático rapaz identificado como Everaldo Modesto no crachá.

O bancário ergueu a sobrancelha esquerda e, quando se preparava para roer as unhas, teve o pensamento interrompido por Laiz, a estonteante morena sentada ao lado. Ela indicou o caminho a ser trilhado. Ambos precisavam, contudo, do gerente Teobaldo Américo. O chefe havia saído para almoçar. O identificaram como um homem baixo, calvo, vestido com uma camisa azul listrada de mangas compridas e mochila nas costas. "Ele saiu na mesma hora que o senhor chegou", informou Everaldo.

Foi o homem que tropeçou no pé de Gilberto na porta da agência. "E eu ainda o xinguei de tudo que foi nome", pensou, ao lembrar da reação. Com a previsão de uma hora para o retorno de quem poderia salvá-lo, resolveu esquecer o calor e dar uma volta no quarteirão. Tomou um sunday de morango ao salgado preço de R$ 3,50. Andou quase um quilômetro. Reparou intensa movimentação de carros de polícia. Deu de ombros. Pareceu um alvoroço qualquer, sem sentido, para chamar a atenção e dar a falsa sensação de agilidade.

Retornou antes do previsto. Sentou novamente em uma cadeirinha vermelha, desta vez próxima ao banheiro. Surpreendentemente ouviu um som familiar vindo da direção do sanitário masculino. "Claro que sim. Não tem como esperar. E vai ser hoje", dizia a voz que, segundos depois, Gilberto reconheceu pertencer a um jovem rapaz, barbicha rala, alargadores nas duas orelhas e com o livro "A obstrução programada da Via Láctea" nas mãos. Quase no mesmo instante, recebe um SMS de Teresa, amiga que insiste em dar em cima dele.

Tinha o link www.rondapolicialregional36h.net/noticiasdodia/corpoencontradoemvalao
Clicou e leu logo no primeiro parágrafo: "A moça de 17 anos, desaparecida há uma semana, está mesmo morta. O suspeito de ter cometido o crime é um estudante de astronomia..." Lembrou de não ter visto Amanda, a namorada do vizinho esquisitão, nos últimos dias. Gelou a espinha. Ele parou ao lado de Gilberto, abaixou-se, e balbuciou baixinho, em tom afetadíssimo: "Vou para Londres, fofinho".

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pronta para o prazer

Um pequeno contratempo na calça jeans clara, recém-adquirida, quase fez Lourdes perder a hora. Mesmo com a temperatura relativamente baixa, o jeito foi apelar para o vestido justo floral, palmo e meio acima dos joelhos, zíper nas costas. Mal deu para se ajeitar, borrifar uma "misturinha mágica" no cabelo, passar glitter azul e preto no entorno dos olhos, pôr a apertada sandália bege, pendurar a bolsinha preta e partir. Chegou esbaforida no ponto, ainda a tempo de ser uma das últimas passageiras a embarcar no ônibus.

Não ligou para os olhares atravessados de toda ordem. As mulheres mais velhas a fuzilavam, misto de decoro e inveja. Os rapazes, era visível, imaginavam despi-la. Até o trocador e, depois, o motorista, apreciaram partes das coxas e, principalmente, sua exuberante bunda. Os quarenta minutos dentro do coletivo pareciam uma eternidade. Por volta das oito da noite Rogério a esperava no lugar marcado, espécie de refúgio dos dois: um quiosque encravado numa ruela entre duas das avenidas mais movimentadas da cidade.

O avistou logo na esquina, onde crianças se divertiam com brinquedos de madeira. Para ela, fogosa, encontrar o amante também era uma espécie de playground. Ignorava até que achassem errado deixar a filha de quatro anos com a mãe, uma evangélica que perdia os cultos noturnos das terças-feiras toda vez que tomava conta da criança. Pecado, no dicionário de Lourdes, era sinônimo de não encontrar o macho. Sorridente, se aproximou. E com o rebolado característico, de entortar qualquer pescoço masculino que cruzasse o caminho.

Ele estava como de costume: traje social, cheiroso e já degustando uma cerveja. Rogério cortejava até a si mesmo, parecia. Levantou, puxou a cadeira, como à moda antiga, a viu sentar e, então, chamou o garçom. Pediu só um copo, mostrando o dele. Ela não perdeu tempo e tascou um beijo que molhou a área compreendida entre a bochecha e o pescoço do rapaz. Virou-se e, ato contínuo, pôs as enormes unhas pintadas de vinho sobre a coxa dele. Era o sinal insinuante, a provocação, o exibicionismo gratuito, o fogo ardente.

Alguns cães trançaram as mesas em busca dos restos de comida no chão. Uma cachorra, prenha, branca e marrom, chamou a atenção. Frágil e obstinada, ao mesmo tempo. Lourdes se identificou. Literalmente. Pensou ser, ali, naquele instante, também uma cadela, só que no cio. Rogério cumprimentou um casal conhecido. O cara, gordinho bonachão, descobriu a tatuagem dela no tornozelo. A mulher, simpática e educada, adotou maior discrição. Lourdes, em chamas, já roçava o joelho, já mordia o lábio internamente, como os que muito desejam.

Poucas palavras, algumas ao pé do ouvido, bastaram. Veio a conta, e uma sensação de que, naquela noite, algo poderia ser diferente. Claro que a companhia de Rogério era puro deleite. Só que novembro, pertinho do verão, pedia um ineditismo. Ela ficou sem jeito. Afinal, já haviam experimentado de quase tudo. O quase fica para práticas sadomasoquistas, vontade de Rogério, escorregões sempre milimetricamente calculados dela. Embebedou-se de coragem, respirou fundo, suspendeu as sobrancelhas, e tascou o pedido: "Amor, me leva no China In Box?".

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Meio a meio

Quando te dava
Metade de mim,
Ainda faltava
Outra banda do sim.

Igreja sem imagem,
Prece sem chão;
Pura embalagem,
Mundo cão.

Quando não te pertencia
O ponteiro parava;
Você vencia,
Lágrima estacionava.

Era seu nosso olhar,
Minha gota sem destino;
Via metade falhar,
Quando era desatino.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Transfiguração

Saí do salão. Fiz estrago capital: o ruivo tomou o lugar do preto na cobertura do cérebro. Não sei se emburreci, como dizem acontecer com as louras. Só pela atitude, bem, talvez sim. Pior que a troca de cor foi inventar uma franjinha para os fios lisos conquistados há pouco. Mantive aqueles óculos Dolce Gabbana, cravejados de algo que remete a diamantes na perna direita. Vesti uma blusa branca antes de sair de casa. Pus, também, a minissaia verde colante que guardava há um tempão por falta de coragem.

Agora estou num botequim beira de estrada, na frente do condomínio dele. Meus amigos vão dizer que pareço uma prostituta. Neste momento sou mesmo, de corpo e copo. Vingativa, já flertei com um cara magro, cara de cachaceiro. Percebi um sorrisinho sacana, canto de boca. O suficiente para melhorar minha combalida autoestima. Fui ao banheiro das mulheres só porque não tinha ninguém no masculino. Contemplo o fim de tarde relativamente bêbada e excitada. E ele ainda não chegou. Não sabe o que o espera nesta agradável primavera.

Vejo três guris malandros, prontos para dar o bote no primeiro gay de meia idade que aparecer. Ah, sobre minha indumentária, esqueci de citar um item importantíssimo pelo simbolismo: tenho três laços nas sandálias; um verde, da cor do calçado; outro vermelho; e o último azul. No meio, uma espécie de meio anel dourado. Sempre que olho para os pés me lembro dos três casamentos. E foram assim: cumulativos, entrelaçados, unidos e findos. Só têm prosseguimento dentro de mim, e por vezes dói.

Ouço Whitesnake. Acho que quase ninguém conhece, exceto pela propaganda Hollywood, meado dos anos 80. "Love Ain't No Stranger" foi um sucesso, como era o próprio cigarro. Logo depois, o MP4, tocou "I want it all", do Queen. Essa, repeti quatro vezes. Provavelmente foi o tempo e a quantidade suficientes para me sentir uma própria rainha, como o Freddie Mercury. "We are the champions, we are the champions, we are the champions", soprei baixinho, enquanto socava a mesa.

Percebi, pelo tremor da mão direita, o efeito das cinco Antarcticas no estômago vazio. O garçom de boné bege desbotado eu conheço. Cumpriu pena junto com meu primeiro marido. Redson saiu da cadeia e pavimentou certa dignidade. Só que não pode ver mulher. É a chance de lançar o olhar conquistador, quase fatal. O mesmo jeito timidamente avassalador utilizado para entregar drogas aos fregueses de outrora. Acho que não me reconheceu de estalo. O semblante tinha um quê de interrogação.

Acabo de descobrir que ele não desembarcou, como previsto. A filha mais velha, uma gorda depressiva e mãe solteira, passou dentro de um táxi com o bebê no colo. Ainda não vai ser dessa vez! Fui lavar o rosto e na volta pedi a conta. Tentei passar o cartão, deu recusado. Nesse instante Redson, com a maquininha na mão, teve certeza de quem estava ali à frente dele. Não disse uma palavra, nem eu. Liguei para uma amiga sem família, solta na vida. Marcamos para o apartamento dela, em meia hora. Fui.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Brilho só

Por que torcer pelo Botafogo?
Simples: é o clube da estrela solitária no jogo.
Identifica solidão.
E exclusão.
Misto de sobriedade com insensatez.
De serenidade com embriaguez.
Ela está lá, cândida.
Pluma no infinito e brinda.

Só, na arquibancada do Maracanã lotado.
No ônibus cheio, na sala de espera do médico, ao lado.
Na poeira do banco da praça, na gola da camisa.
No adversário e na brisa.
Solidão não tem cheiro, gosto, tato ou torcida.
Não se explica direito, é convencida.
Não está só; muitos tentam decifrá-la.
E a fazem companhia no desespero de acalentá-la.

Por conceitos próximos (ou não) da realidade.
Solidão é, por instinto, crueldade.
Mexe com a gente e estapeia.
Silencia.
Cala e consente.
Grita, onipresente:
“É meu time,
É meu time”.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Como ouvi dizer

Eu preciso de você
E arlequim.
Eu quero ter
E vim.

Eu era o que dói
E mim.
E dor que constrói
E fim.

Eu era desenho
E sim.
Eu não contenho
E afim.

Eu não prefiro
E enfim.
Eu até decifro
E botequim.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O passado é amanhã

Quando a gente tinha a mania de se ouvir
Era pura eletricidade,
Era vir e não ir,
Quando a gente tinha suficiente velocidade.

Quando a gente tinha a mania de se ouvir
Era pura intensidade,
Era nem se sentir,
Quando a gente tinha equivalente habilidade.

Quando a gente tinha a mania de se ouvir
Era pura verdade,
Era difícil definir,
Quando a gente tinha envolvente saudade.

Quando a gente tinha a mania de se ouvir
Era pura insanidade,
Era ir e não vir,
Quando a gente tinha solvente liberdade.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Recosto

Acordei com o travesseiro encharcado de suor. Por volta de 7 horas. Tomei uma chuveirada, chamei o guri mais velho e partimos. Uma rápida parada na escola do moleque e já estava eu a caminho do trabalho. Serviço dia de segunda-feira é travado, é como se o freio de mão estivesse puxado o tempo todo. Se eu fosse deputado federal ou senador, não ia mexer com terceirizações, biografias, etc... Meu projeto seria extinguir toda e qualquer atividade profissional às segundas-feiras. Ninguém ia fazer nada. Aliás, meu sonho é que as segundas-feiras não existissem.

Depois de uma manhã à meia boca, chega o almoço no restaurante. Pedi suco de laranja com gelo e sem açúcar. Veio doce e na temperatura ambiente. Garçonete que não anota o pedido dá nisso. Não confio em atendente que confia na memória. Já que o nível de glicose no sangue estava elevado, completei com um chuvisco. Se arrependimento matasse... Estava horrível. Um dos piores que já provei. Rápidas palavras com uma colega de trabalho, uma conversinha acolá com o chefe... Pus a pesadíssima mochila nas costas e saí fora. Carrego o mundo nas costas. E parece literal.

Novamente dirijo, agora em direção a uma loja de informática onde deixei o carregador do netbook para ser soldado. Uma moça loirinha, simpática, me informa que, 10 dias depois, o serviço ainda não foi feito. Putz! Apanho o filho na casa da mãe e o entrego às boas mãos da orientadora, acompanhado do lanche da semana. Dessa vez ele quis biscoitinhos apresuntados e Ades Maçã de 200 ml. Ligo para uma conhecida, ex-professora do pimpolho, que teria tido filho no último dia 22. Ela informa que o parto foi transferido para amanhã, dia 29, logo meu aniversário. Fiquei feliz pela coincidência.

Para me presentear, estacionei no shopping mais badalado da cidade. Comprei um Reebok número 41, um a mais que o meu habitual 40. Preto, bonito, imponente e, para meu avantajado peso, o mais importante: muitíssimo confortável com seu sistema de amortecimento do calcanhar até a unha do dedão do pé. Nas portas automáticas de vidro, já na saída, dei de cara com uma antiga namorada, de uma relação duradoura. Ela estava bonita, elegante, aparelho nos dentes. Fomos cordiais e rápidos, como tinha de ser. Até entrar novamente no carro, lembrei com carinho do nosso tempo juntos.

Próxima parada: a casa da mãe, a patrocinadora do tênis. Ela observou, apalpou e elogiou a escolha. Batemos longo papo, como há muito não fazíamos. Detalhamos informações, tecemos comentários. Não rimos. E não choramos. Faltou pouco. Saí com fome, rumo a uma lanchonete que frequento. Pedi um Superalaskão (é assim mesmo que está no cardápio). E degustei três latões de Antártica. Enquanto isso, a TV, ligada na Globo, passava "Amor à vida". Uma novela chatíssima, com discussões entre casais gays, uma jovem interesseira se fingindo amorosa com o velho galã, e a mulher dele sendo cortejada pelo médico bonitão.

O garçom, imagem e semelhança do Andrezinho, vocalista do grupo "Molejo", requebrou pra lá, ciscou pra cá, e trouxe a conta. Não me perguntem por que eu visualizei um sósia de um líder de conjunto de pagode decadente em pleno estabelecimento comercial de um bairro chamado "Capão"... Satisfeito gastronomicamente, e com a ideia de escrever a crônica do dia, chego a casa. Saio do refrescante banho, deito, ponho o computador no colo, dano a digitar minhas recentes memórias... Antes, troquei o forro da cama. E a fronha. Só que ele, o travesseiro, estava lá. Incólume. Esperando por outra noite tórrida.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Identidade Futebol Clube

Foi batizado de Francismário. Para o mundo do futebol, escolheu simplesmente "Mário". Mais fácil e impõe respeito. Quem iria obedecer cegamente às ordens de um jovem técnico chamado Francis? O sonho de ser jogador profissional ficou para trás ainda na infância por simples falta de habilidade. Deu lugar a vocação para treinador, descoberta precocemente.

Aos 32 anos, comanda com mão de ferro o time Sub 13. Aderiu ao estilo duro que consagrou Yustrich, Telê Santana e, mais recentemente, Luiz Felipe Scolari e Muricy Ramalho. Apesar do semblante sempre fechado e das broncas, dá vazão ao lado paternal quando identifica carência afetiva em algum jovem atleta. Nestes casos, lembra mais Joel Santana.

Início de ano, recebeu nova leva de garotos. E se impressionou pela quantidade de identidades diferentes. Tinha Cristhoper, Phellype, vários Maycon e uma infinidade de Jhonatan. E com variações. Alguns com dois agás ao lado do jota. Outros com o agá também depois do tê. Tantos mais com dois enes no final. E um com tudo isso e um ene junto ao primeiro ene.

Pensou numa forma inusitada de chamar a atenção para a nova equipe: que tal uma escalação só com esses de grafia estrangeira? Avaliou que ia parecer uma agremiação inglesa. Não causaria tanto impacto. Coçou a cabeça, franziu a testa, fez as contas e viu dava para ter o 1 a 11 de um jeito, imaginou, inédito na história do esporte mais conhecido do planeta.

Escreveu na prancheta todos os possíveis titulares; Jhonatan Silva, Jhonatan Alves, Jhonatan Diego, Jonatan Clemente e Jhonatann Carlos; Jhhonatan Henrique, Jhonatann Manuel, Jhonatan César e Jhonathan Renato; Jhhonnathann Falcão e Jhonathan Babu. Pronto: escava credenciado a despertar o interesse dos torcedores, dos dirigentes, da mídia, da FIFA...

Chegou em casa eufórico, louco para contar a novidade à esposa. Ela, além de dona do lar, servia como conselheira esportiva. Dava sugestões, discordava de opiniões... Antes que pudesse abrir a boca, ouviu da mulher a notícia sobre a descoberta do sexo do bebê que ela esperava. Ultrassonografia nas mãos, sorriso escancarado, ela emendou de primeira:

- Amor, é um menino. Já pensei até no nome: que tal Jhonatan?

sábado, 12 de outubro de 2013

Inerte

Shopping é universo de cores,
De odores.
Fotografia de amores
Ou remendos de rancores.
Encanta, não duvido.
É o alarido.
É também duvidoso
E até tedioso.

Shopping é universo de si mesmo.
É tiro a esmo.
Pode dar cinema, pipoca e guaraná.
Pode ser aonde você vai e não está.
Explicita desigualdades
E limita possibilidades.
É prática de decepção,
Amostra grátis de exploração.

Shopping é universo do que vivemos,
E do que não queremos.
Amontoa gente igual.
Esqueça lazer original.
A gente questiona, mas aceita;
Se sujeita.
Bom é a volta pra casa.
Bom, bom mesmo, é ter asa.

Intenso

Morderia seu pescoço agora.
Sem demora.
E não veria a hora.
Perderia tempo, sem escora.
Seria o mormaço.
Talvez o cansaço.
Sentiríamos calor.
E certo ardor.
Vislumbrando dor.
Eu queria você.
Eu queria um quê.
Eu gosto de te querer.

sábado, 5 de outubro de 2013

Ao contrário

Sabe, às vezes é entender
Não te conter.
Sabe, às vezes é condizer
Não te bendizer.

Sabe, às vezes é querer
Não te preencher.
Sabe, às vezes é entristecer
Não te viver.

Sabe, às vezes é distorcer
Não te reverter.
Sabe, às vezes é remoer
Não te pertencer.

Lâmina



Eu que vi,
Que vivi.
Eu que descobri,
Que construí.

Eu que incluí,
Que desisti.
Eu que contribuí,
Que destruí.

Eu que morri
Que bebi.
Eu que intuí,
Que bisturi.

domingo, 29 de setembro de 2013

Mini perfil

Adoro chuva e sol;
Computador e futebol.
Rio e choro, transbordo;
Pura emoção a bordo.
Tenho amigos e irmãos,
Penso com as mãos.
Vejo e enxergo longe,
Sou disciplina de monge.
O tempo é meu aliado,
Meu mastro calado.

Tenho elegância genética
E formosura estética.
Meu pensamento voa;
Minha presença ressoa.
Vejo sempre o passado
Em fotos, desenhado.
Percebo os detalhes,
Manobro os talheres.
Valorizo a minúcia,
Pratico a astúcia.

Pés descalços


As rugas... sim, as tenho.
E pequenas manchas.
São moinhos de engenho,
Carros-de-boi e lanchas.

As mãos tremem,
Olhos embaçam.
As pernas temem,
Pelos escassam.

Quanto a dentes, esqueça.
A agilidade silenciou.
Querem que desapareça,
Dizem que a fonte secou.

Vestem-se da plástica,
Valorizam o que vêem.
Garanto: é pura ginástica
Aturar os que não lêem.

Não aprecio tolices;
Aprendi um pouco mais.
Dou risada da velhice;
Brinco de viver em paz.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Métrica

Ninguém tem a medida do amor,
Ou a dimensão da tampa da dor.
E se é amor, dor, fervor ou engano,
Só o tempo dirá, esse amigo insano.
E não for nada disso; e se for?
E se for frescor?
Pode ser esperteza;
Pode ser tristeza.

E se ninguém mede, o que é amor?
Qual a identidade; é de frio ou calor?
Pode ser a sujeira embaixo do pano;
Pode ser diagnóstico de desengano.
E se não for nada disso; e se for?
E se só for?
Pode ser até gentileza;
Pode ser até torpeza.

Então ninguém sabe, ao certo, do amor?
Pode ser conclusão, até clamor.
Pode ser montanhoso ou plano.
Pode ser por dias, ou ano a ano.
E se não for nada disso; e se for?
Pode ser espinhoso, pode ter flor.
Pode ser destreza.
Pode ser até singeleza.

domingo, 22 de setembro de 2013

Fica para depois

Domingo, perto das 11. Arranco fora o cobertor, desfaço-me do travesseiro, estico braços e pernas. Acordo corpo e mente. Vejo o baby mais novo, de quase cinco meses, abrindo a boca com risadinhas pré-banho. Dou uns abraços no pimpolho mais velho, perto de 11 anos e com erupções físicas e intelectuais de adolescente. A mulher, ainda numa lingerie sexy, verde água, convidativamente decotada, traça os passos para cuidar do pequeno. Dou duas goladas num açucarado suco de caju, feito na noite anterior e devidamente armazenado em garrafa plástica de um litro e meio para facilitar o sacolejo.

Faço a barba. Uso o novo perfume ganho de presente no dia dos pais. E dado por ela, minha mãe, para quem ligo informando sobre pequenos contratempos bancários. O filhote e a esposa decidem passar o dia fora, com a família dela. Todos vão se divertir de bom modo: ela com a algazarra dos parentes e eu com o silêncio do lar. Mamãe precisa ir, e vai, comigo à agência mais próxima. Utiliza, com meu prestativo auxílio, a recém feita biometria para pagar contas e sacar algum dinheiro necessário às despesas da semana. Devolvida ao aconchego do lar, relaxa.

Eu ainda exerço a tarefa de comprar pacotes de figurinhas do álbum do "Brasileirão", a R$ 0,90 cada, para o primogênito deliciar-se. E como ele gosta de descobrir as cinco imagens de cada saquinho, desprendê-las do adesivo e colar nas páginas dos clubes! Faz disso quase uma aula. Pergunta sobre jogadores, times, selecionados... Descortina um mundo novo. Pela didática do procedimento, não poupo em abastecê-lo. Eu jovenzinho e, confesso, até adulto com cabelos brancos no cavanhaque, aprecio o leva e traz de rostos, escudos e escalações. É simples e alegre como a infância.

Ele almoçou. Devorou arroz e pedaços de peito de frango feitos com primazia pela dona do lar antes de sair. Preferi abrir, sedento, uma long neck. Duas, três, quatro... E sempre a próxima mais gelada que a anterior. Beber em casa tem essa vantagem de poder administrar a temperatura da cerveja. Trabalhei um pouco, revisando e postando um texto na internet acompanhado da foto no devido tamanho. Com os neurônios inspirados, resolvi escrever uma crônica. Mas agora faltam pouco mais de 10 minutos para começar o jogo do Botafogo. Fica para depois. Obrigado.   

sábado, 21 de setembro de 2013

Solo

Não, não vou te contar minhas alegrias;
Nem teimas, brigas ou tristezas.
Não, me recuso a te contar um livro
Que sobrou da tradução do que sinto.

Não vou falar sobre lágrimas e sorrisos;
Sobre gostos, identidades ou destinos.
Não, definitivamente, não falarei;
Com o silêncio é que direi.

Não vou cortar os pulsos, também;
Patético, seria só e apenas refém.
Não, não vou cortar nem letra minha;
Tampouco palavra, frase ou rima.

Não, não vou ouvir música triste;
Seria como dizer que você ainda permite.
Não, não vou escrever e te homenagear;
Vou, devo e posso só me decifrar.

Não, não sei o que vai ficar depois;
Se vai ter depois, depois do depois.
Não, não defino começo, meio e fim;
Guardo e aguardo, só, pedaços de mim.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Eu preciso chorar

Eu, eu preciso chorar
Para ganhar.

Eu, eu preciso chorar.
Para acalentar.

Eu, eu preciso chorar.
Para respirar.

Eu, eu preciso chorar.
Para voar.

Eu, eu preciso chorar.
Para vibrar.

Eu, eu preciso chorar.
Para amar.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Rio

Eu também lamento
As chances perdidas.
E até o que não tento;
As palavras cedidas.

Eu também canto
As frases queridas.
E até encanto,
Enquanto fecho feridas.

Eu também manto;
Visto peles cansadas.
E até sentimento,
Em frouxas risadas.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A mudança



Vou comprar uma flor
Para pedir desculpas a alguém,
E depois chamar de meu amor.

É o valor do vintém,
Quando a pétala vira arma
Fortalecendo minha personalidade.

A doação que te engana,
Trai sua vaidade
E desculpa o que eu não queria.

Apenas um escopo;
A insegurança de um dia
Pensar em perder o seu corpo.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Tom de quarta-feira


De repente
O sol vem tão quente...
É um fogo ardente
Em homenagem a gente.
Quando não vê, só sente
Vontade de ir em frente.

De repente
Minha mão insolente,
Teu beijo adolescente.
Nosso desejo envolvente,
Que não fala, e não mente;
Só banca de inteligente.

De repente
Você aparece contente,
Sorriso bem transparente.
E uma voz indecente
Apertando meu queixo com o dente
Mostrando a lua crescente.

De repente
É a paixão nascente,
Que nasce de um acidente.
A vida segue descrente.
O tempo passa ausente.
Vamos ver se fica assim, ascendente.

Quarta


Se te chamarem, responda não.
Se for viajar, esqueça o chão.
Se não quiser conversar, televisão.
E se tiver fome, copo na mão.

Se usar salto-alto, desça.
Se colecionar amigos, cresça.
Se andar por aí, enlouqueça.
E se olhar a agenda, desapareça.

Se procurar roupa, desarme.
Se abrir o guarda-chuva, queime.
Se te rangerem os dentes, ame.
E se deitar no sofá, me chame.

Perfil


Quando você não está
Vou secar saliva dos lábios
E guardar amor em colcha de retalhos.

Quando você não está
Vou desenhar seu rosto em guardanapo de papel;
Olhar pra cima, te procurar no céu.

Quando você não está
Toda reza é profana;
Nenhuma promessa me engana.

Quando você não está,
O relógio atrasa.
E o bar vira casa.

Quando você não está,
O copo é vazio
E o corpo é frio.

Quando você não está
Ouço o CD que me deu,
Sonho o sonho que é seu.

Quando você não está,
O colorido desbota.
A reta entorta.

Quando você não está
Pode até me enganar,
E fingir que vai chegar.

Olhos castanhos


Da vida aqui levo o trago do cigarro;
A poeira da rua, o gole amargo.

A ilusão do dia seguinte,
A mão calejada do pedinte.

Levo o troco e o soco,
O sonho e um rosto.

A rima sem sentido;
O real, concreto e absurdo.

Da vida aqui parto em retirada,
Esteira estendida e pavimentada.

Levo o sol, a chuva, a caneta,
O papel, a família e a letra.

Alguns amigos e poucas flores;
Me levo, me elevo, meus amores.

O Rosto


Tinha um traçado imaginário.
Sem formas, conteúdo ou modelo.
Era pura abstração e nervosismo.
Só voz distante.
Meses a fio, anos sem parar.
Íntimo feito travesseiro velho,
E misterioso como bolsa de mulher.
Passou por teclados a fio.
Empregos, chefes, cidades...
Situações, amigos e relações.
Uma demora quase perpétua.
Que deu real sensação de infinito.
Chegou a ser sondado, desenhado.
Definido por teorias do sonho.
Visualizado em pedaços.
Penetrante, mordaz.
Insinuante.
Mudo de desfalecimento.
Até aparecer discretamente, longínquo.
Em meio a um sorriso sem jeito, sem hora.
Mais pausa com intervalo menor.
Mais insistência com constância maior.
E veio como presente virgem.
Embalado plasticamente.
Surpreendeu.
Emudeceu.
Estremeceu as bases.
É diferente e igual;
Alegre e casual.
Talvez lânguido.
Ou sereno.
Perdido na multidão.
Procurando dedicatória,
Deliciando a memória.

O que não há

Ia te dizer que... mas sabe aquela hora
Em que as palavras não aparecem, tudo é falho?
Você me perguntou: não sentiu?
Talvez não saiba o que vai acontecer.
E mentiu.
Preferiu se isolar, fingir que não viu.
Mas é assim mesmo, foi como um jogo.
Como um jogo que não aquece.

E ainda quero te mostrar uma foto.

Uma lembrança qualquer.
Um dia, um mês, um traço.
Talvez o horizonte, talvez um abraço.
Eu não morreria por você agora.
Nem me mostraria estranho.
Nem queria um beijo, um afago.
Um sorriso, um ego.
Mas você está próxima.
E vou ver a próxima.
É a sina, é a química.

E ainda quero te mostrar minha foto.

O beijo

Só quero beijo
De durar a eternidade.
Só quero beijo
Daquele que arde.
Quero um beijo,
Um bem molhado
E que deixa o corpo suado.
Quero muito esse beijo,
E quero com vontade,
Saudade e até maldade.
Pode ser só um beijo.
De impulso, de promessa,
Sem jeito e sem pressa.
Eu só quero um beijo.
Um beijo inteiro.
Um beijo festeiro.
Um, um beijo de ti;
O beijo sem fim.

Momento


Você me chama para o futebol.
É interessante,
Irreverente.
E a gente conversa e bebe,
Finge que não é do mundo dos tolos,
Das evidências.
E a gente segue a conversa,
E se pergunta o porquê.
E não quer saber
Se é eterno ou momentâneo,
Pré-fabricado ou instantâneo.
Mas segue a flauta, o lírico;
O poeta, o músico.
E as cordas vão e vem,
Na palma da mão de ninguém.
É simples, compreensível.
Fácil, acessível.
É a boca e o beijo,
A língua e o lábio,
A fala e o hábito.
É ver e não sentir,
Ver e não mentir.
Ser honesto,
Ser sincero.
Querer o resto
É tudo que quero.
É estar aqui e beber.
E a gente conversa e bebe,
Flutua e não sente.

Na carona


Não tem cigarro, acabou a festa.
E você está aqui ao lado.
Não tem sol, restou a fresta.
E você sorri, me deixa calado.
Quer comprar o que não é seu.
Sente frio, mexe os lábios.
Fala de planos, tem ideias como eu.
É amor, sei...
São delírios.
Qualquer rabisco vira escrita.
Qualquer palavra facilita.
E a gente quer mais.
Quer a loucura de frente.
Para achar que somos iguais,
E ninguém mente.
Tudo bem ter confiança.
Não faz mal escolher aliança.
Se a luz fica acesa,
A gente pensa;
Se apaga,
O corpo larga.
Depois vem a conversa.
Junto, a pressa.
Vem o toque,
Vem o leque.
Isso vai ter final feliz.

Manual


Encontrei sua instrução em algum lugar
Que você deixou e esqueceu de procurar.
Se a gente se encontra de repente,
A sua fissura é o meu deleite.

E as regras ficam sempre comigo,
Como segredo no ouvido do amigo.
Você olha, desconfiada, e sorri.
Sabe que futuro escolhi.

Coloquei uma colcha de retalhos,
E esparramei lenços e atalhos.
Com os panos, contei lágrimas;
Com os trilhos, pavimentei ímas.

Dessas partes únicas vieram músicas.
E desses sons, palavras úmidas.
Dessa umidade brotou calor.
E da sua boca, frescor.

Que de tanto espalhar,
Gritou, enveredou pra te ganhar.
Se é que venceu, foi amor.
E se coloriu, costurou.

Remendou o que faltava,
Deu voz a quem cantarolava.
Ecoou, vibrou, encantou.
Encenou, tocou, amou.

Longe e em mim


Como é que eu vou sair hoje à noite
Se não tenho dinheiro para beber?
Se a solidão me acompanha
E a saudade só me traz você?
O que era, de repente deixou de acontecer.
E sem esperar, comecei a encontrar
Motivos para tentar reviver, recomeçar.
Conheci uma paz e um abraço, laço forte
Com medo da chama da morte.
Num canto dentro de mim, coração:
Paradoxalmente cheio e vazio, meio perdido.
Meio achado encontro um rio,
É a emoção do conjunto de várias paixões.
Querendo sempre um pouco mais de carinho,
De calor que protege e de frio que aquece.
Paixão natural pele, pelo, olhos...
Agora as lágrimas escorrem pela janela;
Meu quarto solidário, de beleza singela.
Me mostra o meu limite do pequeno,
Universo de ar, dor, alegria, água, terra.
Será que eu queria estar tão vestido assim?
Prefiro pensar em você, me encantando a qualquer canção.
Apertando, me crucificando em seu corpo
E me guardando dos medos e segredos dessa vida.
Apesar da chuva, a vida continua seca, minha querida.
O pensamento flui suave, a limites extremos
De amor, dor, paixão e tesão. Vivemos.

*Em 1991, com Márcia Barcelos.

Letra A

Quando eu chegar vou olhar fixo seu olhar.
Despir sua alma.
E desvendar a magia do encanto.

Quando eu chegar e te tocar em instinto,
Vou apreciar cada arrepio e sussurro.
E, devagar, puxar a alça do destino.

Quando eu chegar te farei confissão,
Percorrerei seu rosto.
E desfilarei palavras roucas em desatino.

Quando eu chegar e em ti sonhar,
Deve ser o sonho do sonho do sonho.
E vamos alvoroçar nosso outro mundo.

Lembranças


A caneta se esparrama,
É o papel pedinte.
Querendo a hora cerca, a chama,
É o papel adiante.
A voz que não ama,
É o papel delirante.

Você aparece.
Lembra e esquece
A razão que merece.

A voz ilumina,
É luz de menina.
Guarda-roupa que alucina.
É o charme, azucrina.
A voz não anima;
É a letra, a rima.

O tal amigo,
Hora de castigo.
Gosto amargo,
Castigo serrado.
Teto requintado,
Prazer divertido.

Inimizade


Tenho um amigo que toca bateria
E outro que queria.

Tinha uma vida verdadeira,
E vivia de certa besteira.

Tinha uma mulher e nada mais,
Chamava o garçon e pedia paz.

Tinha até um sonho antigo,
E vivia sonhando contigo.

Tinha, quem sabe, uma vontade.
E sentia gosto de maldade.

Tinha uma música na cabeça,
E um corpo que obedeça.

Tinha até você,
E queria só querer.

Tinha planos, filhas;
Canetas e cartilhas.

Tinha o sono,
Tinha o trono.

Tinha o que levar
Na hora de acordar.

Tinha peso sem levantar,
Sem espaço para caminhar.

Agora é só teto desabado,
É só pôquer jogado.

Imagens


Te olhando
Me vendo
Te beijando
Me afogando
Te acariciando
Me acalmando
Te falando
Me ouvindo
Te querendo
Me perdendo
Te amando
Me odiando

Imagem e semelhança

Sabe quando vem uma cerveja
E o hálito refresca?

Sabe quando a gente acha
Que todo mundo ri à beça?

Sabe o que é andar
E não ter pressa?

Sabe quando alguém vai ao mar
Joga a rede e pesca?

Sabe quando tem uma propaganda
E você não se estressa?

Sabe quando não se reclama
Quando uma situação te imprensa?

Sabe quando se chega em casa
E teu filho te abraça?

Sabe quando dá saudade
Tipo "nunca se esqueça"?

Sabe quando te amo
E você não sai da cabeça?

Sabe que os minutos são assim
E nada mais interessa?

História da semana

Diga que sim,
Que quer me ver.
Que quer só mostrar
Um sorriso novo.
Mesmo assim vou te ligar.
É só para te acompanhar,
Ou achar que você quer.
É tão simples, tão físico;
Até matemático.
Acho que vou te ligar.
Mas agora não sei
Se você está no banho
Ou pensando para onde vai.
Mas eu quero, é decisivo
Como seu abraço.
Loucura.
Tudo em vão?
Ou não... ou não.
Vai me dizer que hoje é um pouco tarde
Para me encontrar.
Mas quem sabe conversar?
Sem jogo, sem azar;
Sem fugir, sem achar;
Sem querer, sem beijar...
Vou ficando meio sonâmbulo.
Mudou o calendário,
Baixou o e-mail.
E não tem ninguém.
Você também não tem!
Estou pensando em você.
Em te ligar.
Em te esquecer.
E a gente enfraquece.
Simples e lógicos;
Discretos e cômicos.
Parece um pouco estranho.
Até amanhecer.
Se lembrou, me liga logo.
Prometo atender.
Estou bem aqui: na sua saudade.

Filme sério

Me apaixonei: displicência noturna.
Vontade de te jogar na areia.
Jeito de não dizer nada, nunca.
Sorriso de quem não se chateia.

Você mostrou que trabalho
Só faz perder.
Agora não tem atalho,
Não tem pressa, não tem crescer.

Cruza as pernas, muda o disco.
Quebra o gelo, diz que não é nada disso.

Cada gole é um dia a menos
No calendário da razão.
Ainda há o espaço que cremos,
Ainda há o que conhecem de paixão.

É barba por fazer,
São olhos vermelhos.
É cigarro sem acender,
São espelhos.

Simplesmente são.

Ecos


Sinto a respiração ofegar
Vendo a noite passar.
Fica um personagem abstrato
Sem gosto, cheiro ou tato.
Viver, amar e morrer
É quase igual a beber,
Num bar sem ninguém,
Um conhaque feito refém.
Fumo o cigarro,
Bato o carro
Pra esquecer a insensatez
De quem deixa para outra vez.
Ícones de infância,
Excitante diferença,
De pensar em velhice
Pedindo clemência.
Mantenho a insistência
Exigindo paciência.
Sou eu mesmo, princípio destrutivo
Trajando mármore, nadando no abismo.
E você não vem
No vácuo que mantém.