quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O passado é amanhã

Quando a gente tinha a mania de se ouvir
Era pura eletricidade,
Era vir e não ir,
Quando a gente tinha suficiente velocidade.

Quando a gente tinha a mania de se ouvir
Era pura intensidade,
Era nem se sentir,
Quando a gente tinha equivalente habilidade.

Quando a gente tinha a mania de se ouvir
Era pura verdade,
Era difícil definir,
Quando a gente tinha envolvente saudade.

Quando a gente tinha a mania de se ouvir
Era pura insanidade,
Era ir e não vir,
Quando a gente tinha solvente liberdade.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Recosto

Acordei com o travesseiro encharcado de suor. Por volta de 7 horas. Tomei uma chuveirada, chamei o guri mais velho e partimos. Uma rápida parada na escola do moleque e já estava eu a caminho do trabalho. Serviço dia de segunda-feira é travado, é como se o freio de mão estivesse puxado o tempo todo. Se eu fosse deputado federal ou senador, não ia mexer com terceirizações, biografias, etc... Meu projeto seria extinguir toda e qualquer atividade profissional às segundas-feiras. Ninguém ia fazer nada. Aliás, meu sonho é que as segundas-feiras não existissem.

Depois de uma manhã à meia boca, chega o almoço no restaurante. Pedi suco de laranja com gelo e sem açúcar. Veio doce e na temperatura ambiente. Garçonete que não anota o pedido dá nisso. Não confio em atendente que confia na memória. Já que o nível de glicose no sangue estava elevado, completei com um chuvisco. Se arrependimento matasse... Estava horrível. Um dos piores que já provei. Rápidas palavras com uma colega de trabalho, uma conversinha acolá com o chefe... Pus a pesadíssima mochila nas costas e saí fora. Carrego o mundo nas costas. E parece literal.

Novamente dirijo, agora em direção a uma loja de informática onde deixei o carregador do netbook para ser soldado. Uma moça loirinha, simpática, me informa que, 10 dias depois, o serviço ainda não foi feito. Putz! Apanho o filho na casa da mãe e o entrego às boas mãos da orientadora, acompanhado do lanche da semana. Dessa vez ele quis biscoitinhos apresuntados e Ades Maçã de 200 ml. Ligo para uma conhecida, ex-professora do pimpolho, que teria tido filho no último dia 22. Ela informa que o parto foi transferido para amanhã, dia 29, logo meu aniversário. Fiquei feliz pela coincidência.

Para me presentear, estacionei no shopping mais badalado da cidade. Comprei um Reebok número 41, um a mais que o meu habitual 40. Preto, bonito, imponente e, para meu avantajado peso, o mais importante: muitíssimo confortável com seu sistema de amortecimento do calcanhar até a unha do dedão do pé. Nas portas automáticas de vidro, já na saída, dei de cara com uma antiga namorada, de uma relação duradoura. Ela estava bonita, elegante, aparelho nos dentes. Fomos cordiais e rápidos, como tinha de ser. Até entrar novamente no carro, lembrei com carinho do nosso tempo juntos.

Próxima parada: a casa da mãe, a patrocinadora do tênis. Ela observou, apalpou e elogiou a escolha. Batemos longo papo, como há muito não fazíamos. Detalhamos informações, tecemos comentários. Não rimos. E não choramos. Faltou pouco. Saí com fome, rumo a uma lanchonete que frequento. Pedi um Superalaskão (é assim mesmo que está no cardápio). E degustei três latões de Antártica. Enquanto isso, a TV, ligada na Globo, passava "Amor à vida". Uma novela chatíssima, com discussões entre casais gays, uma jovem interesseira se fingindo amorosa com o velho galã, e a mulher dele sendo cortejada pelo médico bonitão.

O garçom, imagem e semelhança do Andrezinho, vocalista do grupo "Molejo", requebrou pra lá, ciscou pra cá, e trouxe a conta. Não me perguntem por que eu visualizei um sósia de um líder de conjunto de pagode decadente em pleno estabelecimento comercial de um bairro chamado "Capão"... Satisfeito gastronomicamente, e com a ideia de escrever a crônica do dia, chego a casa. Saio do refrescante banho, deito, ponho o computador no colo, dano a digitar minhas recentes memórias... Antes, troquei o forro da cama. E a fronha. Só que ele, o travesseiro, estava lá. Incólume. Esperando por outra noite tórrida.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Identidade Futebol Clube

Foi batizado de Francismário. Para o mundo do futebol, escolheu simplesmente "Mário". Mais fácil e impõe respeito. Quem iria obedecer cegamente às ordens de um jovem técnico chamado Francis? O sonho de ser jogador profissional ficou para trás ainda na infância por simples falta de habilidade. Deu lugar a vocação para treinador, descoberta precocemente.

Aos 32 anos, comanda com mão de ferro o time Sub 13. Aderiu ao estilo duro que consagrou Yustrich, Telê Santana e, mais recentemente, Luiz Felipe Scolari e Muricy Ramalho. Apesar do semblante sempre fechado e das broncas, dá vazão ao lado paternal quando identifica carência afetiva em algum jovem atleta. Nestes casos, lembra mais Joel Santana.

Início de ano, recebeu nova leva de garotos. E se impressionou pela quantidade de identidades diferentes. Tinha Cristhoper, Phellype, vários Maycon e uma infinidade de Jhonatan. E com variações. Alguns com dois agás ao lado do jota. Outros com o agá também depois do tê. Tantos mais com dois enes no final. E um com tudo isso e um ene junto ao primeiro ene.

Pensou numa forma inusitada de chamar a atenção para a nova equipe: que tal uma escalação só com esses de grafia estrangeira? Avaliou que ia parecer uma agremiação inglesa. Não causaria tanto impacto. Coçou a cabeça, franziu a testa, fez as contas e viu dava para ter o 1 a 11 de um jeito, imaginou, inédito na história do esporte mais conhecido do planeta.

Escreveu na prancheta todos os possíveis titulares; Jhonatan Silva, Jhonatan Alves, Jhonatan Diego, Jonatan Clemente e Jhonatann Carlos; Jhhonatan Henrique, Jhonatann Manuel, Jhonatan César e Jhonathan Renato; Jhhonnathann Falcão e Jhonathan Babu. Pronto: escava credenciado a despertar o interesse dos torcedores, dos dirigentes, da mídia, da FIFA...

Chegou em casa eufórico, louco para contar a novidade à esposa. Ela, além de dona do lar, servia como conselheira esportiva. Dava sugestões, discordava de opiniões... Antes que pudesse abrir a boca, ouviu da mulher a notícia sobre a descoberta do sexo do bebê que ela esperava. Ultrassonografia nas mãos, sorriso escancarado, ela emendou de primeira:

- Amor, é um menino. Já pensei até no nome: que tal Jhonatan?

sábado, 12 de outubro de 2013

Inerte

Shopping é universo de cores,
De odores.
Fotografia de amores
Ou remendos de rancores.
Encanta, não duvido.
É o alarido.
É também duvidoso
E até tedioso.

Shopping é universo de si mesmo.
É tiro a esmo.
Pode dar cinema, pipoca e guaraná.
Pode ser aonde você vai e não está.
Explicita desigualdades
E limita possibilidades.
É prática de decepção,
Amostra grátis de exploração.

Shopping é universo do que vivemos,
E do que não queremos.
Amontoa gente igual.
Esqueça lazer original.
A gente questiona, mas aceita;
Se sujeita.
Bom é a volta pra casa.
Bom, bom mesmo, é ter asa.

Intenso

Morderia seu pescoço agora.
Sem demora.
E não veria a hora.
Perderia tempo, sem escora.
Seria o mormaço.
Talvez o cansaço.
Sentiríamos calor.
E certo ardor.
Vislumbrando dor.
Eu queria você.
Eu queria um quê.
Eu gosto de te querer.

sábado, 5 de outubro de 2013

Ao contrário

Sabe, às vezes é entender
Não te conter.
Sabe, às vezes é condizer
Não te bendizer.

Sabe, às vezes é querer
Não te preencher.
Sabe, às vezes é entristecer
Não te viver.

Sabe, às vezes é distorcer
Não te reverter.
Sabe, às vezes é remoer
Não te pertencer.

Lâmina



Eu que vi,
Que vivi.
Eu que descobri,
Que construí.

Eu que incluí,
Que desisti.
Eu que contribuí,
Que destruí.

Eu que morri
Que bebi.
Eu que intuí,
Que bisturi.