sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O Pelé da Riachuelo

Depois da minha casa, na Rua Riachuelo, em Campos dos Goytacazes, moravam Dona Delma e Leonice. Logo na sequência tem a residência de Neli, mãe de Gustavo (que é mais ou menos da minha idade), Maurício e Luiz Alberto - esses dois um pouco mais velhos. O imóvel dessa família sempre foi amplo, incluindo uma garagem lateral onde ainda cabem, com bastante folga, uns quatro carros. O espaço, quando vazio, virava nosso Maracanã. Éramos cinco: os três irmãos, eu e um guri vizinho de dois muros depois. Demorei bastante pra descobrir que o nome dele era Cristiano. Ninguém, nem os pais, o chamava assim. Pra todo mundo, moradores ou não, pelo menos até a esquina com a Rua Saldanha Marinho, ele era Pelé. Ou "Pelezinho", como o batizamos. 

Com sete, oito anos de idade, isso em 1978, não demorei a entender a evidente associação. Negro, carismático e dono de uma habilidade incomum, só podia mesmo ter esse apelido. Nossa brincadeira de quase todas as tardes era muito simples: um ficava no gol, marcado com duas sandálias havaianas, e os outros quatro se dividiam em duas duplas com a única finalidade de superar o goleiro. Os perdedores tiravam par ou ímpar para que o novo arqueiro fosse definido. Quem quase nunca ia para a posição era justamente "Pelezinho", por motivos óbvios. E a gente sempre queria tê-lo ao lado pela certeza de vitória. Os anos foram passando e a coisa continuou dessa forma enquanto foi possível, viável e prazeroso. 

Cada um seguiu seu destino. Quando nos víamos, às vezes dava pra parar e conversar. Em muitas ocasiões só era possível dar um sorriso e fazer um joinha com o polegar. A BR-101 levou "Pelezinho", já adulto e pai. Foi um trágico acidente nas primeiras horas de uma manhã qualquer, cuja data faço questão de não lembrar. Ficou na memória o garoto feliz e driblador, de quem a gente nunca conseguia tirar a bola e nem o gosto pela vida. Édson Arantes do Nascimento não conheceu "Pelezinho". Infelizmente. Teria, posso afiançar, o maior orgulho dele tanto pelo talento quanto pela personalidade. Ao saber que o Rei do Futebol se transformou em super-herói, por volta das quatro da tarde de hoje, chorei. Por ele e por nosso "Pelezinho".

O livro da semana

Talvez eu te escreva o livro da semana;
E deixe muito claro: não me fume, não.
Acho que você ia me achar "o sacana";
Insensível disfarçado de bom coração. 

Então eu vou apagar o cigarro eletrônico,
Esperar a fumaça não desenhar pesadelo.
Não serei criança, nem um amor icônico;
Vou colar o futuro aí, no lugar de um selo.

Tem a pessoa que nem pensou em mim;
Então vi cardápio do infinito se fortalecer.
Acho que a gente perdeu um pênalti, sim;
Bola na arquibancada, desça ao anoitecer.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Um tango em Paris

Eu vi a final com o coração
Que saiu várias vezes do corpo
Comemorei gol com minha mão
Raspei o prato e sequei o copo

Eu vi um craque fazer três gols
Que a gente pode contar até quatro
Cismei de achar franceses bobos
Respeitei, temi, vi teatro num ato

Eu vi um goleiro fazer milagre no fim
Que repetiu a cena logo depois
Engoli a cerveja amarga à seco, sim
Gritei por Messi, mas queria nós


sábado, 10 de dezembro de 2022

As armas do teu beijo

É, a vida escolhe suas lanternas
Amarelas, brancas e vermelhas
Tem dia pra ouvir Ney Matogrosso
Tem horas que é Renato Russo

Já vou dizendo: adoro ser mutante
Amo degustar pernas deslizantes
Um tempinho perdido, será?
Um gol a favor, outro contra terá?

Caiu um pingo d'água no meu braço
Pelo seu amor, troco um abraço
Além do céu tem um certo azul
Quero até ser francês, todo nu

Vem pro meu aconchego

Sei lá: não te ter é absurdo
É como não rir do mundo
É tomar banho de chuva sozinho
É contar poças d'água no caminho

Sei lá: não sonhar você é impossível
É um não querer quase invisível.
É deixar o sol desbotar.
É não conseguir amar

Sei lá: acho que pra sempre é nunca
É arrepio que mora na nuca
É música desafinada
É futebol sem arquibancada

Chove você

O céu banha o fim do mês
Bem mais de uma vez
Tempo do sol se esconder
E da estrela não aparecer

Má sorte pra muita gente
Dor de coração saliente
Não é hora de amar
Nem de frear ou acelerar

Queria o sono de menino
E seu inocente desatino
Sonhar em ser violão
Pousar teu colo: sim ou não?