Depois da minha casa, na Rua Riachuelo, em Campos dos Goytacazes, moravam Dona Delma e Leonice. Logo na sequência tem a residência de Neli, mãe de Gustavo (que é mais ou menos da minha idade), Maurício e Luiz Alberto - esses dois um pouco mais velhos. O imóvel dessa família sempre foi amplo, incluindo uma garagem lateral onde ainda cabem, com bastante folga, uns quatro carros. O espaço, quando vazio, virava nosso Maracanã. Éramos cinco: os três irmãos, eu e um guri vizinho de dois muros depois. Demorei bastante pra descobrir que o nome dele era Cristiano. Ninguém, nem os pais, o chamava assim. Pra todo mundo, moradores ou não, pelo menos até a esquina com a Rua Saldanha Marinho, ele era Pelé. Ou "Pelezinho", como o batizamos.
Com sete, oito anos de idade, isso em 1978, não demorei a entender a evidente associação. Negro, carismático e dono de uma habilidade incomum, só podia mesmo ter esse apelido. Nossa brincadeira de quase todas as tardes era muito simples: um ficava no gol, marcado com duas sandálias havaianas, e os outros quatro se dividiam em duas duplas com a única finalidade de superar o goleiro. Os perdedores tiravam par ou ímpar para que o novo arqueiro fosse definido. Quem quase nunca ia para a posição era justamente "Pelezinho", por motivos óbvios. E a gente sempre queria tê-lo ao lado pela certeza de vitória. Os anos foram passando e a coisa continuou dessa forma enquanto foi possível, viável e prazeroso.
Cada um seguiu seu destino. Quando nos víamos, às vezes dava pra parar e conversar. Em muitas ocasiões só era possível dar um sorriso e fazer um joinha com o polegar. A BR-101 levou "Pelezinho", já adulto e pai. Foi um trágico acidente nas primeiras horas de uma manhã qualquer, cuja data faço questão de não lembrar. Ficou na memória o garoto feliz e driblador, de quem a gente nunca conseguia tirar a bola e nem o gosto pela vida. Édson Arantes do Nascimento não conheceu "Pelezinho". Infelizmente. Teria, posso afiançar, o maior orgulho dele tanto pelo talento quanto pela personalidade. Ao saber que o Rei do Futebol se transformou em super-herói, por volta das quatro da tarde de hoje, chorei. Por ele e por nosso "Pelezinho".