domingo, 29 de julho de 2018

Fiquei eu

A gente se aproxima da via láctea e do fundo do mar
E percebe que se afastar e odiar é quase igual a amar.
A rouquidão se confunde com largo e sincero sorriso;
O que não tolero, meu bem, é só o que não preciso.

Por cima de nosso recheio sobram sabor e encanto,
E o que não é definitivo, se basta por enquanto.
Quase toda despedida tem um final perto de feliz,
Ficam som e gosto da esperança até do que não se diz.

Ah, o travesso travesseiro acalma sempre todo o dia,
E traz a inquietude também até do que eu não queria.
Pouco adianta, etilicamente, lamentar as certezas,
E emendar os pontos de interrogação das sutilezas.

Vou apreciar o que restou desbotado desse vermelho,
E conferir se ainda reflito só e sozinho no espelho.
Se não me achar, contente que a imagem de mim valeu,
Terá sobrado o que restou; apenas à sombra, fiquei eu.


sábado, 7 de julho de 2018

Amargor

Não, não sei dizer o que sinto:
E se falto com a verdade ou minto.
Se é tão simples assim
E se tem um simples sim.

Não, não é somatório de números;
E nem do que são os acúmulos.
Se é tão emoção ou percussão,
E se tem razão ou ação.

Não, não sei fazer contas;
E nem se faltam meias ou pontas.
Se é tão caída de Neymar
E se difere paixão de amar.

Sim, sim para além de mim;
E para quem distorceu, enfim.
Se é tão Alemanha ou Bélgica
E se Copa aqui ou da Rússia.

Sim, sim para o que faltou;
E nem tampouco para o que ficou.
Se é discurso ufanista do Tite
E se a gente ainda resiste!

Somos nós na Copa

Seis e doze, seis e treze da manhã. O vermelhidão do céu beija a janela do banheiro. Penso ser um sinal de sol, de dia quente. Logo, logo, o relógio marca: faltam menos de nove horas para a Seleção Brasileira entrar em campo. Oh, será contra a Bélgica, o país que mais fala francês, fora a França, no mundo. “Au revoir” significa, na tradução livre, adeus. Contra nossos rivais de bola e irmãos de continente, os franceses passearam logo cedo: 2x0, fácil, nos uruguaios.

Ainda restava a lembrança dos raios solares. Quinze, quatorze minutos antes de a bola rolar, estava eu fígado em prantos e toalha verde a enrolar, cintura abaixo, o que sobrou de mim da noite anterior. Resgatei uma camisa cinza, tida como “a da sexta-feira”, por conter mensagem otimista. Estiquei-a em direção ao mais pessimista dos três filhos. Restou um vácuo de comoção e a esperança no amarelo-e-amarelo do solzinho estampado.

Passos largos, seguimos: eu, a camisa e o filho. Fomos ao mesmo boteco dos dois jogos anteriores. Bacana, emotivo e numerólogo. Ficamos, a princípio, longe da tela. Logo, logo, o dono do estabelecimento nos restaurou à mesa dois, simbólica e ocupada por nós nas duas últimas vitórias por... 2x0! Tinha só um ingrediente novo: um senhor instalado previamente, que se fez nosso parceiro de corpo, copo e alma.

A intervenção de Sidney, proprietário do bar, promoveu o entrelace de operários da comunicação. João Batista, o “Batistinha”, degustava uma Skol em taça de alumínio e relembrava os tempos de Aloísio Parente e Pessanha Filho, entre outros, ao microfone da extinta Rádio Cidade, do folclórico slogan: “No meio é melhor; ligue Rádio Cidade, o som maior...”. Ponderei o tom erótico da vinheta, rebatido com o argumento do centro do dial.

Cabelos brancos e bom de lábia, “Batistinha” me encantou. Papo vai, papo vem... Bélgica 1x0! Gol contra de Fernandinho. Não lamenta e não inventa, rima tão pobre quanto clássica radiofonicamente! Eu, ex-comentarista esportivo, entre outras coisas, digo que Fernandinho e Gabriel estavam mal posicionados. Jesus!!! Não deu tempo para goladas a mais e o loirinho De Bruyne coloca água na nossa loira gelada – a minha e a do (já!) incrédulo “Batistinha”.

Veio o segundo tempo e pedi o mesmo tira-gosto dos jogos passados. Faltou, concluí, sabor à Seleção. Renato Augusto, quem diria, entrou. E “quem diria, parte 2”, fez gol. “Quem diria, parte 3”, de cabeça, na altíssima defesa adversária. Não adiantou Tite, professor de si mesmo, mudar o time. Ficamos a um gol de tentar seguir na Copa. Símbolo Augusto! Demos bandeira, com o amargo sabor do chocolate belga. “Au revoir”, despediu-se o sábio “Batistinha”!