Desperdiçar tempo com videogame não foi cogitado.
A companhia da caixinha amadeirada, recheada de lembranças, é que congelou o relógio de pai e filho.
Havia muita história entre fotografias, anotações e outros guardados.
O guri tomou as rédeas da profissão do progenitor e passou a entrevistá-lo.
Com o gabarito de quem rasgou o céu de ponta a ponta, ou de Pernambuco ao Porto, com direito a longas escalas em Campos e no Rio de Janeiro, Marlúcio apenas sorriu ao intuir como seria aquele fim de tarde em quarentena nas terras lusitanas.
Vicente ajeitou o cabelo, posicionou os óculos e estreou como repórter indagando sobre um desbotado ingresso de jogo de futebol.
- Era agosto de 1975. Fui ver meu Santos num antigo estádio, já demolido, contra o Americano. De um lado, craques como Clodoaldo, Cláudio Adão e Edu. Do outro, um time que pela primeira vez jogava o Campeonato Brasileiro. No último minuto a equipe do interior marcou e venceu.
Pareceu relato de uma divina comédia humana.
O menino visualizou a angústia do goleiro santista na hora do gol derradeiro.
Foi ao delírio com a experiência em coisas reais.
- Viver é melhor que sonhar? -, sussurrou.
- Qualquer sofrimento passa, mas o ter sofrido não -, respondeu o veterano, como se bigode de Belchior tivesse.
Todo sujo de um batom imaginário, não disse que a vitória foi perdida.
- É de batalhas que se vive a vida!
Ao levantar os olhos, avistou o rasante de uma patativa alvinegra pelo quarto.
Um pequeno envelope preso ao bico foi deixado sobre a cama.
A mensagem estava escrita a lápis.
"Deixe tudo ser chão de Giz. Que o grão vizir atravesse o túnel do tempo movido a baioque e flerte com a democracia em Copacabana. Help! É lá onde está nossa lida juventude".
Assinado: Zé Gílson.
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