terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Dezesseis acordes

 Um passo certeiro e o olhar cravejado de precisão, tal qual falcão, são o bastante para ajeitar, carinhosamente, o piso quebrado na quina do primeiro degrau de casa. Não é para evitar queda dele. Sabe, do alto de sua experiência adolescente, que aquilo representa perigo. E possível corte. Corte de pé. E daquele que sempre lhe ensinou como caminhar. É pelo pai xará, não rara coincidência, que toma a providência. Se porta como filho zeloso, sabedor, do fundo d´alma, que os papéis se inverteram. Ah, e como isso mudou. Não é mais o pimpolho. Agora, e pra sempre, tem o caminho e a chave da porta da frente. 

Balança a cabeleira, solta ou presa. Importa pouco onde os fios se posicionam. Ele intui onde estão, amarrados ou ao vento. É a representatividade dele mesmo: menino-moleque, adulto-coragem. As mãos mantém a firmeza necessária. A fala denuncia o ar jovial, o sorriso quase infantil. A meia-idade na carteira, a vivência certeira de quem ainda não viu tudo, mas antevê. E a visão está lá, no púlpito e no altar. No sacro e profano, sem profanar. São os dedos que conduzem as cordas. E elas não arranham. Não ultrapassam o limite do convencimento. Qualquer que seja. Onde esteja. E para quem veja. 

No jogo de cintura matreiro, o drible é certo. O gol é questão de tempo. E o cronômetro é seu aliado. O abraço incontido, a efusividade dos hormônios... Tudo isso passa. Ele sabe que passa. O que fica é a alegria saltitante. Sempre. Mesmo no olhar mais profundo, no acorde mudo. Na interrogação da pausa, na persistência da batida perfeita. Pelas digitais ecoam múltiplas emoções. Algumas administráveis; outras, não. O que não tem conversa, nem titubear de ação, é a velocidade com que ajeita o piso quebrado na quina do primeiro degrau de casa. Vai lá, garoto! A escadaria da felicidade te espera. E te merece.

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