terça-feira, 30 de julho de 2024

Papo olímpico com Dona Neuza

 -  Vó, viu a foto do Medina?

-  Vi, estava sobre as águas. Quase um Moisés.

-  Vó, Moisés não estendeu o cajado e separou o Mar Vermelho?

-  Medina pairou a prancha, não te serve?

-  É, vó, só Jesus na causa!

-  E Jesus tem causas muito próprias. 

-  Fale mais sobre isso, vó...

-  Jesus amaria a Madonna. E ainda ia usar peruca ruiva da Lady Gaga no show de Copacabana.

-  Vó, é verdade esse bilhete?

-  Claro, você nunca leu a bíblia?

-  Mas vó...

-  Tá me achando a Dercy Gonçalves? Eu não sou anjo!

-  Vó, já pintaram uns demônios por aqui... 

-  Tudo Judas! Não leu a bíblia mesmo, né?

-  Vó, até li...

-   Leu Gênesis, até a página dois, como a grande maioria. Tomou a vacina? Sabe de Apocalipse?

-  Ah, vó... e se a gente fosse um filme do fim dos tempos?

-  Deadpool. Sem Wolverine. Nada de costeletas. 

-  Não curte barba, vó?

-  Uma penugem do Elvis, só. 

-  Fã do rebolado dele?

-  Prefiro Sidney Magal. 

-  Nada dos ingleses?

-  A língua do Jagger, os óculos do Elton, a voz de Mercury e o cabelo do Lennon.

-  E as letras do McCartney, claro...

-  Erro... texto é o do Renato Russo. 

-  Vó, ele é brasileiro...

-  Tempo Perdido essa discussão. 

-  Ah...

-  Um Faroeste Caboclo em Angra dos Reis. Legião é melhor que Beatles. Vocês viveram!

-  Vó, falando em música, curte Belo e Diogo Nogueira agora que você tá pagodeando aí em outro patamar?

-  Queria, nos tempos atuais, ser Gracyanne ou Paola, queridinho...

-  Vó, elas são... digamos assim, "musas fitness".

-  E você acha que eu tomava conhaque de alcatrão São João da Barra, como se não houvesse amanhã em Dr.Mattos, quando conheci Celso?

-  Ele era tipo José Inocêncio?

-  Praticamente. Um Renascer diário. 

-  Vó, não tinha novela...

-  Mas tinha Chaplin e Mazzaropi. Menos caricato. 

-  Do que hoje em dia?

-  Claro... 

-  Por que, vó?

-  Me imagina no Tinder?

-   Claro que não!

-  Dando um Match no seu avô, partindo pro Insta e parando no Zap?

-  Vó, vó...

-  A gente era, como Marina Lima escreveu um tempão depois, "Solidão com vista pro mar". 

-  O que isso quer dizer?

-  Que a gente coloria todos os dias com o sabor das manhãs.

-  Vó, isso é poesia.

-  A gente chamava de rádio. Um ouvia o outro. 

-  Era doce?

-  Um manjar dos Deuses. Um colírio para os olhos.

-  Mas, vó, cá pra nós, dava pra driblar o sistema?

-  A gente era estrela solitária, era o Garrincha, a bola e o gol.

-  Vibrava, vó?

-  Tipo Caetano e Bethânia em turnê. 

-  Ah, vó, que surpresa... curte os filhos de Dona Canô...

-  Aprenda sobre Jesus e sobre Medina.

-  Como assim?

-  Imagina o surfista, naquela foto feita por um francês, abismando o mundo... 

-  Pra variar, não entendi a metáfora...

-  Então, Jesus foi a lente e a imagem. O mar e o céu. 

-  Jesus era um cara descolado?

-  O maior de todos. Viveu e ensinou a diversidade. 

-  Parando pra pensar...

-  Olha a foto do Medina de novo. Pensa na minha costura. E em mim.  

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Foz

Você pode estar no gelo
Distância que aproxima
Uma viagem, até um elo
É poesia, gruda feito ímã

Pode ser rio afora, e Foz
Foto, pensamento ou voz
Está aqui, perto de mim
Fala nada, mas diz sim

Posso ser até um amigo
Um ombro, um abrigo
E você vem na saudade
Te espero com vontade 

terça-feira, 16 de julho de 2024

80 vezes Chico

Eu podia ser um gênio.
Desses com esmeraldas nos olhos.
Que não têm voz potente, mas são trovão.
E trovadores da vida, essa brincadeira desmedida que nos foi concedida.

Eu podia ter nascido carioca.
Com uma discreta e elegante malandragem que encantam.
Mas eu não canto.
Chico, dizem, também não.

Eu podia estar empatado com Chico.
Podia ter tido filhas, mas só tive filhos.
Como esse aí da foto.
Tocando violão de mão solta.
E dedilhando a leveza da vida do jeito dele.

Eu podia ter um disco de Chico.
Mas nunca tive vinil.
Nessa roda gigante do tempo me sobrou só um CD.
De coletâneas.
E assim vou vendo a banda passar.

Eu podia ter o talento de meu querido amigo Paulo Renato Porto.
Ele, sim, escreveu uma crônica poética pra Chico.
Eu li, reli e curti.
Foi um pequeno grande momento.

O máximo permitido por mim mesmo se deu há bastante tempo: Chico está num altar.
Num texto que meu coração ditou.
E pus no papel.
E isso nem tem 80 anos!

terça-feira, 9 de julho de 2024

Ninguém apostava

Clóvis vestia a oito.

E desfilava.

A origem germânica do nome contrastava com a pele negra.

Mas ele superava qualquer preconceito. 

E bailava.

Sim, Clóvis era um bailarino da bola.

Anônimo.

Invisível. 

Até que...

Na noite de 19 de março, do longínquo 1986, se fez brilhar.

Naquele dia os holofotes eram para o badalado Fluminense.

Eram!

Porque Clóvis mudou o rumo da luz.

A chamou pra si de forma leve, carinhosa. 

Como os que muito amam.

E essa relação íntima ele teve com a bola.

Ela era cheia de tricolores e tricolices.

Tricolices, termo diferente, é só pra rimar.

Rimar com tolices de um grande time, super campeão, emperrado.

Amordaçado. 

Empacado por Clóvis, o gênio de uma noite mágica. 

Ele ditou o ritmo. 

Cadenciou o samba.

E sambou, bailarino, a nota que inventou.

Deu dó num Fluminense de ré.

Foi mi, foi fá, foi o sol reluzente de um lá dia mágico em si.

Regeu uma orquestra afinada por Sena.

Sim, Sena, não o piloto, mas o guia dos gols.

Fez o primeiro, já veterano. 

Antes, jovenzinho nascido na terra do conhaque, deixou São João da Barra pra trajar uniformes do Palmeiras e do Bahia.

Jogou até no Atlético de Madrid.

Mas domou o touro, mesmo, foi junto com Clóvis, autor de um golaço de cobertura. 

O ponta Leandro fez os outros dois do inacreditável 4x0.

Naquele 19 de março, em que uma improvável zebra deixou o maioral do Rio de joelhos. 

O Globo Esporte registrou. E relembrou (olha o vídeo aí, no final do texto). 

De lá pra cá a luz apagou.

O azul desbotou.

De Clóvis não se teve mais notícia. 

Leandro sumiu.

Sena vive no interior. 

E o Goytacaz sucumbiu. 

Chegou à quarta divisão estadual. 

Quase parou.

Quase, porque a torcida, firme e guerreira, destituiu a diretoria. 

E assumiu as rédeas de um clube que já deixou o atual campeão da Libertadores de quatro. 

O "Azul da Rua do Gás" está longe de repetir tal façanha. 

Milagre, agora, é sobreviver. 

Mas que ninguém duvide de um clube que, um dia, deu show com Clóvis, Sena e Leandro. 

Porque foi bonito.

Iluminado.

Poético, até. 

E a gente não duvida que o futebol é poesia.

Aposte nisso.

 

Te levo comigo pra Portela

Meu santo está de sentinela
Bem cuidando da sua capela
Tem feijão na nossa panela
E amor com a minha donzela

Se no mar só tem caravela
Me afogo nos braços dela
De manhã eu abro a janela
E (a)visto com muita cautela

Da roupa sou botão e fivela
Eu faço gol até de trivela
Com você a vida é mais bela
Te levo comigo pra Portela