terça-feira, 28 de maio de 2024

A baianidade é fogo

Olhei uma, duas vezes. E estava lá: presente e imponente.

Eu ostentei uma casca de feijão.

Bem entre os dentes da frente, num sorriso que me é caro.

Um jato d'água resolveu e expulsou esse intruso.

Foi até inconveniente olhar pra mim e me ver.

Como é, de fato.

Daí em diante o espelho de um banheiro qualquer, de um boteco único, só refletiu alegria.

E paz.

E uma serena baianidade de quem não nasceu baiano, mas é acarajé.

E fé.

E fogo.

E ar, mar, pasto e grama.

Mesmo a sintética, aquela artificial.

Bem lá, onde foi o primeiro gol.

Aquele, que rompeu.

Atravessou parte do Brasil.

Rompeu barreiras e chegou em vantagem no Barradão.

Foi salvador minúsculo, pra encarar Salvador maiúsculo.

Hoje sofremos em cores, mas fizemos um gol em preto-e-branco.

Júnior, baiano de todos os santos, fechou o passo.

Passo a acreditar na vitória sobre o Vitória como a vitória de uma jornada.

A branca, ímpar, límpida e espiritual baianidade, é Fogo!

Valeu, Washington Rodrigues

Uns bons goles regaram parte da minha noite. Num bate-papo descontraído e, ao mesmo tempo, leve e profissional.

Eu e meu colega de trabalho/amigo/irmão Ed Meirelles balbuciávamos a vida e pré-desenhávamos o futuro. 

Secamos o Flamengo enquanto molhávamos a garganta.

Ele, com coca-cola; eu, banhado no amarelo álcool de vários chopps com um pequeno colarinho.

Coisa de um, dois dedos. No máximo.

A medida da prosa, espumante que só, percorreu centímetros de criatividade.

E um universo de possibilidades. Foi num boteco, em Macaé, onde tudo se deu.

E se deu vendo o Flamengo, o não-time de ambos, golear bolivianos.

Era a Libertadores.

E no Maracanã.

E descobri, pouco depois, que, durante o jogo, uma luz apagou.

Um chute parou.

Uma torcida, a maior torcida, se calou.

Ou deveria, em cada um dos quatro gols.

Não foi uma noite pra comemorar o que deveria ser.

E não foi por um motivo emotivo: um coração rubro-negro, um enorme coração rubro-negro, deixou de pulsar aqui.

E, vejam bem, estou falando de um gigante.

Tão grande que reconheceu, em 1983, que o Flamengo dele perdeu "só" de 2x1 para o meu Goytacaz.

Era o disputadíssimo Campeonato Carioca da época, em que o melhor time do mundo, tipo um Real Madrid de agora, era derrotado, inapelavelmente, por um clube que tinha acabado de subir da Série B Estadual.

E da terra do Petróleo, com um gol, o primeiro, de um centroavante apelidado de...Petróleo.

Pois Washington Rodrigues escreveu, no Jornal dos Sports, tão rosa quanto as bochechas dele, que o Flamengo escapou de uma goleada em Campos.

Foi uma crônica de outro mundo de quem tinha o apelido de outro mundo: "Apolinho".

Washington, hoje o Flamengo goleou um time azul como o Goytacaz.

E você virou uma estrela. Uma estrela azul, que treinou o Flamengo dos sonhos que não saiu do papel em 1995, numa louca viagem onde você, talvez, tenha sido um passageiro sem rumo certo.

Mas teus comentários e tua leveza, assentados na inteligência, na ironia e num espírito bonachão, seguem nos conduzindo futebol afora, quatro linhas do universo.

Seja eternamente a luz que você sempre foi e irradiou, Washington Rodrigues.

terça-feira, 7 de maio de 2024

Sul-americano

Você silencia meu grito
Pênalti batido no ângulo
E até nesse jogo maldito
Ergo meu vinho incrédulo

Pedaços do show da Madonna
E nos encontrei, partida perdida
Dessa multidão não somos nada
De mim, uma manteiga derretida

Na nossa Copacabana  particular
Miro, me vejo em ti e até me erro
Gosto do vinho da taça do nosso lar
Da boca, da nossa saliva e do berro

Eu até me acho em você
Sem pensar e sem querer
Te envolvo aqui, bem mim
Nos braços desse meu sim


quarta-feira, 1 de maio de 2024

Um espeto no coração

Minha solidão é você
Na cachaça aqui do lado
Me abrigo sem querer
Se eu não for amado

Parti a corda do violão
Esperando essa moça
Vi a estrada do sim e não
Andei da cidade à roça

Não tenho tanta pressa
Mas sigo meu caminho
Seguro a vida no braço
Sou sertão e até carinho

Não há solidão com você
Acabou minha cachaça
Quero um abrigo doce
E o nosso amor de graça

Esmeraldas

Dois faróis de luzes me veem
Me procuram e me contraem
Lâmpadas se vidram no escuro
Visão aguçada, sopros no muro

Me deito, sim, branco e verde
E imagino que você me morde
Talvez a métrica da distância
Ou uma imaginária constância 

O fato é: existem olhos claros
Que assentam encontros raros
Não é uma vitória entrelaçada
Ou uma vila velha emoldurada

Até achei encantamento aqui
Estou tão o seu colo de sim
Que mirei cores marrons e vi
Dorme muito, e bem, em mim